DISPARIDADES URBANAS & URBANISMO
IGUALITÁRIO
Jorge Guilherme Francisconi
DO QUE
SE TRATA
Planejamento e a Gestão Urbana são baseados em instrumentos teóricos e
práticos que não tem sido devidamente utilizados para reduzir as disparidades
intra-urbanas que agravam as disparidades sociais.
A redução das disparidades sociais tem que ser (ou deveria ser) prioridade ética
e moral, política e social que Planos Diretores, Código de Obras, Lei de Uso e
Ocupação do Solo e instrumentos essenciais de Planejamento e da Gestão, do
território municipal e metropolitano, devem cumprir. O impacto dos marcos jurídicos
locais também precisam ser avaliados quanto a sua eficácia e compatibilidade
com objetivos, instrumentos e condições existentes, mas por ora não há noticia de
indicadores quantitativos para avaliar o apartheid urbano que reforça as
disparidades sociais.
Por outro lado, para serviços e funções urbanas como habitação, mobilidade,
saneamento e outros, há políticas públicas e
programas setoriais, que são criados e implementadas sem cuidados quanto a sua
inserção no tecido urbano, para atender demandas sociais compatíveis com a
renda familiar dos que vivem em regiões periféricas e favelas.[2]
Este breve e introdutório documento aponta para importância de que planos
diretores sejam ferramentas reais de redução das disparidades urbanas, e de que
hajam indicadores destas mesmas disparidades urbanas e das políticas públicas
voltadas à urbanização de bairros carentes de tudo – desde a infraestrutura básica até a propriedade dos imóveis.
O estado da arte, que segue, reúne diagnósticos e estudos para criação e implantação de metodologias, procedimentos, índices e indicadores
que levem o Planejamento e Gestão Urbana a serem ferramentas de redução de
disparidades.
Para formulação de políticas públicas segue esboço
de metodologia para obter coeficiente ou indicador que sintetize as condições urbanísticas de áreas homogêneas [bairros] de uma cidade. Desta forma será possível mensurar e avaliar condições existentes e estabelecer politicas públicas que
considerem disparidades e carências entre bairros de cidades. A meta é dispor
de metodologia que quantifique disparidades urbanísticas entre áreas urbanas
homogêneas e permita estabelecer planos, metas e procedimentos para redução de
disparidades intra-urbanas e qualificação de favelas e bairros ocupadas por famílias
de baixa renda.
2. DO ESTADO DA
ARTE À FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
Políticas Públicas surgem para resolver problemas
que, em tese, a sociedade e gestores públicos classificam como prioritários e
importantes. Penso, que as políticas públicas têm sido definidas por
especialistas setoriais. Isso é um problema quando estão desvinculadas de um
plano abrangente. O combate às
desigualdades sociais no Brasil, por exemplo, exige o envolvimento de uma
diversidade de setores de atividades afins da sociedade e da gestão pública,
para que os problemas sejam reduzidos ao longo do tempo.
Novas políticas públicas partem de idéias e ideais, de
utopias e de esperanças inseridas em propostas de práticas que irão alterar
tendências da práxis dominante.
Políticas Públicas para reduzir disparidades
urbanas e sociais devem se pautar nas demandas reais para alcançar consistência e no Estado da Arte como base para formulação de programas e
projetos que atenuem problemas que cidades e metrópoles enfrentam. Estado da
Arte sendo o conjunto de conhecimentos, marcos jurídicos, experiências,
estudos, avaliações, dados censitários e indicadores que oferecem bases sólidas
para o enfrentamento dos problemas identificados.
O desafio é transformar o Estado da Arte em políticas,
programas e projetos orientados para redução das disparidades urbanísticas, a
partir de um método que
quantifique a qualidade da urbanização intra-urbana e inter-cidades.
No passado, nos tempos de Vargas, o IBGE oferecia
instrumentos para enfrentar os problemas que surgiam, como a divisão
territorial do país para promover a política de “coesão nacional“ do Estado Novo; o
conhecimento sistematizado do território em seus aspectos demográficos,
produtivos, de infra-estruturas, organização social e de suas bases fisiográficas,
ou mesmo informações sobre o espaço nacional para uso no ensino de geografia
nas escolas do país”.[3] Mais tarde foi criado o IPEA, onde cabia
ao INPES desenvolver estudos e pesquisas e ao IPLAN a elaboração de políticas públicas
coordenadas pela Secretaria Geral e pelo próprio Ministro Velloso. As políticas
regionais, dos anos 60 / 70, adotavam marcos territoriais do IBGE e formulações teóricas, diagnósticos e diretrizes do IPEA, como ocorreu nos programas estratégicos de
investimentos em pólos de desenvolvimento, micro-regiões homogêneas, regiões metropolitanas e aglomerados urbanos,
O IBGE definia regiões a partir da geografia regional e
econômica, que produzia regiões e privilegiava as relações inter-urbanas.
Como resultado, os problemas intra-urbanos e de conurbações (urbanização
continua supra-municipal) metropolitanas eram ignoradas.
O território definido por métodos da geografia não
correspondem ao território conurbado, onde estão os serviços de interesse
comum. Ou seja: o perímetro de regiões
metropolitanas e aglomerados urbanos para políticas nacionais e regionais
deveria ser diferente do perímetro do território metropolitano exigido para o
planejamento e gestão dos serviços urbanos de interesse comum.
A percepção do conflito de objetivos da prática com os resultados da política
metropolitana federal do século passado deveria conduzir ao aperfeiçoamento das
políticas metropolitanas. Entretanto, isso não ocorreu na medida em que o
governo federal destrói núcleos de formulação de políticas públicas e políticas urbanas são
ideologizadas pela Reforma Urbana. Algumas décadas depois, o Estatuto da Metrópole repete os erros que
haviam diagnosticados no final do século passado.
Por ora não avançamos porque o
Governo Federal não dispõe de núcleo pensante capaz de enfrentar o desafio de
transformar diagnósticos em políticas, programas e projetos urbanos que atendam
o interesse público.
Esta lacuna explica o Minha Casa Minha Vida, carro chefe
das políticas sociais mais recentes, criado pela Câmara Brasileira da Indústria
da Construção – CBIC. O Programa estabelece procedimentos de
interesse do setor privado e desconhece os aspectos urbanísticos - ainda que o
Governo Federal disponha de quadros técnicos qualificados. O mesmo ocorreu na
elaboração em outros programas setoriais do Planos de Ação Concentrada – PACs,
que enfatizam o processo construtivo e ignoram a inserção urbana dos projetos,
o respeito aos planos diretores urbanos e a qualidade dos bens e serviços
oferecidos à população.
O planejamento e a gestão urbana podem ser instrumentos
para redução de disparidades urbanas e desigualdades sociais. Este é o objetivo
desta análise e propostas para reduzir as disparidades e a estratificação, da condição urbanística[4] de cada cidade, mediante urbanismo igualitário (planejamento urbano e projeto urbano) que torne o Planejamento e a Gestão Urbana instrumentos
para mitigação de disparidades na distribuição da infraestrutura urbanística. A quantificação do impacto de planos diretores urbanos
igualitários sendo aferida em Índice de Disparidade Urbana (IDU), que constará em
diagnósticos, em estudos comparativos, na definição de metas e no
acompanhamento e avaliação de programas públicos de investimento
3. ESTADO DA
ARTE
3.1. Fundamentos Jurídicos
A Constituição Federal de 1988 alterou profundamente a
administração urbana quando estabeleceu a autonomia municipal, a
responsabilidade de Estados na gestão de metrópoles e estabeleceu direitos da cidadania.
O Estatuto das Cidade (EC) consolidou a ruptura quando
alterou objetivos e práticas até então adotadas no planejamento e gestão urbana ao
estabelecer a prioridade e dominância da questão social e da gestão participativa nos municípios, e ao
expurgar conceitos, como planejamento urbano integrado, gestão e planos
metropolitanos e gestão intergovernamental, que foram qualificados de entulhos
do autoritarismo, da ditadura e da tecnocracia.
A comparação de objetivos e diretrizes do Estatuto da
Cidade (EC) com os do proposta para Lei Nacional de Desenvolvimento Urbano (LNDU)[5], que consta na Mensagem no155/83 ao Congresso Nacional, permite qualificar esta ruptura.
No EC o objetivo da política urbana é “ordenar o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e da propriedade urbana”, na LNDU o de “melhoria da
qualidade de vida urbana mediante adequada distribuição espacial da população e
das atividades econômicas com vistas a à estruturação do sistema nacional de
cidades; integração das atividades urbanas e rurais, e disponibilidade de equipamentos
urbanos e comunitários.
Grande parte dos objetivos do EC se assemelham aos da
LNDU. Tanto na lei como no projeto de lei há objetivos e diretrizes para
problemas sociais urbanos, mas o EC inova com a “garantia do direito a cidades
sustentáveis”, “a gestão democrática por
meio da participação da população e associações” e a cooperação público / privada em “atendimento ao interesse
social”. Temas ausentes da LNDU.
A comparação dos dois documentos permite estabelecer o
paradoxo de que, apesar da ruptura política e da mudança de fundamentos do
planejamento e da gestão urbana, EC e LNDU indicam instrumentos urbanísticos
muito similares[6].
Além disso, o EC
exige processos político-administrativos participativos e democráticos,[7] mas sem novos instrumentos de fortalecimento
da justiça social e cidadania urbana.
Neste sentido, a criação de índices e indicadores que avaliem condições urbanas e de programas para
redução das disparidades intra-urbanas irá fortalecer o papel das políticas
urbanas no combate às desigualdades sociais.
3.2. Estudos Acadêmicos
- Vulnerabilidade
Social de Metrópoles
O território metropolitano, onde vive mais da metade da
população do país,[8] apresenta padrões de disparidades que exigem
políticas urbanas de natureza social. As iniciativas do setor público, nas últimas
décadas, foram pouco eficazes e não resolveram nem atenuaram a dimensão e
qualidade dos problemas.
Estudos recentes do IPEA[9] avaliaram a evolução das condições municipais
quanto ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDHM) e Índice de Vulnerabilidade
Social (IVS). Encontraram que houve “boom” imobiliário que não gerou receita para municípios devido a inércia do setor público e que a
infra-estrutura é o tendão de
Aquiles das metrópoles brasileiras. As regiões metropolitanas continuam com uma
alta vulnerabilidade dada a ineficiência da infra-estrutura urbana de
saneamento, mobilidade e trabalho, e mais: no período 2000 – 2010 o país alcançou altas taxa de desenvolvimento econômico e social, mas
a vulnerabilidade permaneceu estável. O IVS aponta para queda dos índices de São Paulo de 0,413 para 0,407; do Rio de Janeiro de 0,453
para 0,428; e de Belo Horizonte de 0,451 para 0,412.
O Atlas da Vulnerabilidade Social do IPEA analisa variáveis
fundamentais[10] e, segundo Marco Costa, adota Unidades de
Desenvolvimento Humano - UDHs que: correspondem ao somatório de SETORES
CENSITÁRIOS homogêneos em termos de renda (renda
domiciliar per capita) e de perfis de ocupação urbana (análise de imagem do Google Earth).
As UDHs correspondem, grosso modo, a uma nova ÁREA DE PONDERAÇÃO. Contudo, ao contrário dessas áreas,
as UDHs são mais homogêneas, apresentam um índice de Gini menor do que o Gini
do município ou das áreas de ponderação.[11]
Resta verificar a compatibilidade desta territorialidade
com as atividades de diagnóstico e formulação de programas de urbanização, na
escala intra-municipal, que reduzam disparidades intra-urbanas e promovam
cidadania e igualdade social.
- Desigualdade Urbana / Urban Inequality
Estudos, diagnósticos e propostas de
indicadores, que compõem o Estado da Arte, apresentam pesquisas temáticas e
evoluem dos fundamentos teóricos aos estudos descritivos sobre disparidades
intra-urbanas. No cenário internacional cabe destaque ao estudo Urban
Inequality (Desigualdade Urbana) de Edward Glaeser e equipe da Harvard University[12].
Glaeser abre o texto com uma citação de
Platão de 2.500 anos atrás: “qualquer cidade, por menor que seja, está de
fato dividida em duas, uma cidade dos pobres, a outra dos ricos.” Depois
observa a surpresa da academia com a incrível desigualdade de renda que se
observa em cidades densas.
O objeto do estudo é a disparidade, não
a pobreza urbana. Seu método de trabalhar avalia motivação, migração, capacitação
profissional, entre outros, para melhor entender a dinâmica nacional e local,
inter e intra-urbana da desigualdade urbana. Para tanto adota as áreas
metropolitanas como unidade territorial[13] e o coeficiente de Gini para medir disparidades econômicas.” Mas o estudo
acadêmico conduzido por Glaeser não trata de políticas públicas. Busca, apenas,
retratar e entender a desigualdade urbana nos EEUU. Seu extenso, qualificado e
complexo texto avalia temas que são caros à tradição acadêmica e à cultura saxônica,
expõe questões e conclusões importantes para compreensão da dinâmica social e
mobilidade urbana, e avalia o uso do coeficiente de Gini.[14] Sem propostas de intervenção nos problemas que identifica.
Algumas de suas observações
correspondem ao cenário brasileiro, como a que aponta que a desigualdade local
pode ter origem em opções pessoais de onde viver, visto que morar em Manhattan
(ou São Paulo) é opção de pobres e ricos. Uns e outros migram para as metrópoles
onde há melhores condições de vida.
Ou que na disposição da população no território reflete o fato de que “ricos
querem viver com ricos e pobres com pobres.” Também entende que “história
e imigração parecem ser um dos mais importantes fatores determinantes das
atuais desigualdades,“ condição que reduziria a eficiência de políticas públicas
de desenvolvimento regional que promovem a redução das disparidades
inter-urbanas.
A partir de estudos mais aprofundados
do texto original e de sua relevância para análise do que ocorre no Brasil, é possível
que o estudo de Glaeser possa ser útil, seja na formulação de políticas de redução
de disparidades intra-urbanas ou quando conclui que metade da desigualdade de
renda, em um território, resulta de disparidades na qualificação profissional.
Isso pode estar ocorrendo em metrópoles como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo
Horizonte, Brasília e Porto Alegre.[15]
Glaeser adota o coeficiente de Gini por
ser o método mais usado para medir disparidades sociais; porque capta bem a
heterogeneidade dos extremos superiores e inferiores da distribuição de renda;
por não seguir variações de escala, visto que “áreas mais extensas ou mais
ricas não têm, necessariamente, um coeficiente de Gini maior ou menor” e
pelo fato de que o coeficiente de Gini aumenta quando há transferência de
pessoas pobres para pessoas ricas. Também lembra que o coeficiente médio de
Gini para várias áreas não corresponde ao coeficiente de Gini calculado para
estas áreas em conjunto, o que é importante na avaliação de municípios e de
metrópoles.
No Brasil não parece haver estudos similares[16] sobre disparidades intra-urbanas. Talvez existam, mas não houve condições
para aprofundar pesquisas.
3.3 Índices e Indicadores
- IPS – Índice de Progresso
Socioambiental
Saindo do campo acadêmico rumo aos núcleos de urbanismo
aplicado, o Instituto Pereira Passos (IPP) criou o Índice de Progresso Social
(IPS) para medir o desenvolvimento socioambiental de cada área administrativa
do município do Rio de Janeiro. A avaliação, antes feita pelo IDH, agora se
baseia no IPS, que varia de 0 a 100. Os 36 indicadores utilizados incluem água
canalizada e esgoto sanitário; taxa de homicídios e homicídios de jovens
negros; incidência de dengue e mortalidade por tuberculose e HIV; e freqüência
no ensino superior de cada região. Variáveis econômicas,
como renda, não são levados em
consideração.
Como se depreende da Figura 1, o IPS fortalece o
planejamento e gestão de cada região administrativa porque territorializa
deficiências e disparidades sociais, urbanas e ambientais, e aponta áreas para
planos e inversões públicas e
privadas, mas a escolha da região administrativa como unidade territorial
prejudica o uso do IPS em programas de redução das disparidades urbanísticas
porque envolve áreas extremamente heterogêneas, onde o IPS é parcialmente significativo e correto.
FIGURA 1 – MAPA SÓCIO AMBIENTAL - Regiões Administrativas do Rio de Janeiro
Como ocorre na privilegiada região da Barra, que é a
sexta melhor classificada, com IPS 70,83, mas apresenta problemas de
mobilidade, de água canalizadas e territórios de favelas não urbanizadas. Cada
um destes problemas tem
características
territoriais próprias. Também há RAs com complexos de favelas, as melhor
classificadas ocupando o 22o lugar – Vigário Geral; o 23o – Maré; o 25o – Cidade de Deus e o 29o lugar – Rocinha.
Para Sérgio Besserman, presidente do IPP, “O índice é uma ferramenta que ajuda
acompanhar as mudanças e direcionar as políticas públicas.”[1] Pedro da Luz, presidente do IAB/RJ, aponta que
o índice é importante para ver “se a cidade está indo
numa direção de melhor qualidade devida no seu dia a dia. É instrumento
fundamental para a população cobrar providências.” Para um, o IPS é instrumento
de políticas públicas; para outro, da gestão participativa.
- Indicador Social
(IDH), Índice Econômico (GINI) e outros Índices
O saber urbanístico carece de método quantitativo para medir as condições urbanísticas de territórios homogêneos. Diferente do IPS, que quantifica as
condições sócio-ambientais de áreas administrativas, visto
que o saber e a prática urbanística carecem de métodos quantitativos que
avaliem, concretamente, o impacto de seus instrumentos.
Caberia, portanto, dispor de método que produza algo
semelhante ao Índice de DesenvoIvimento Humano – IDH, que usa três indicadores
de avaliação (expectativa de vida ao nascer, escolaridade média e PIB per
capita), ou ao Coeficiente de Gini, que mede a desigualdade econômica a partir
da fórmula;
1− yˆ1 ∫ (1− F(y))2 dy
A definição de Índice de Disparidade Urbana exige a definição de áreas urbanas qualificadas como homogêneas a
partir de indicadores abaixo indicados.
Por ora, o impacto de investimentos públicos e normas
administrativas se limita a números absolutos, índices, valores percentuais e valores relativos (frações)
que quantificam a oferta, qualidade ou carência de serviços e funções urbanas,
como saúde,
educação, segurança,
energia, transporte, emprego e outros. São valores quantitativos usados em
diagnósticos, planos e avaliações de políticas
setoriais que apontam características envolvendo a população, o território ou o
padrão de qualidade de serviços urbanos.
Para municipalidades há indicadores mais completos,
recentemente criados, como o Índice
de Desenvolvimento Humano (IDHM) e o Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) com
16 indicadores, que adotam uma territorialidade que não atende às exigências de
avaliação dos resultados do planejamento urbano,
Políticas para promover o planejamento
e gestão territorial - planos diretores e normas urbanísticas - não dispõem de nada que se assemelhe a
estes índices de
mensuração. Por ora, não há como avaliar o impacto econômico, social, cultural, ambiental e urbanístico
destes instrumentos. Ou, mais especialmente, quantificar o impacto de planos
diretores na redução das disparidades intra-urbanas para estabelecer, por
exemplo, padrões de infra-estrutura urbanística mínima para cada região.
A criação de Índice ou Coeficiente de Desigualdade Urbana (IDU) permitirá avaliar
disparidades intra e interurbanas e metropolitanas, estabelecer metas para políticas
públicas e planos diretores e fortalecer a democracia pela melhor condição urbano-territorial.
3.4. Práticas Adotadas no Planejamento Urbano
Na falta de estudos amplos e aprofundados sobre
métodos e instrumentos usados na elaboração de planos diretores urbanos, sobre
características da gestão municipal na implementação e sobre avaliação de
resultados, cabe lembrar duas tendências bem conhecidas do cenário nacional.
- Planejamento participativo
A partir da criação do Movimento da Reforma Urbana, da
Constituição de 1988 e dos Estatutos da Cidade e da Metrópole, o processo
participativo passou a ser usado
como exigência para garantia do aspecto social no desenvolvimento urbano. Com
isso, a “participação popular direta” e “político-participativo” passaram a ser o fator de garantia do
atendimento às demandas da população e de cidades, estados e comunidades.
O planejamento participativo tem origem no orçamento
participativo, que o PT gaúcho criou para contrabalançar propostas orçamentárias do Poder Executivo. Na gestão e no planejamento
participativo, a prioridade é o controle social e a participação popular, em
detrimento do saber urbanístico e da gestão pública. Daí o Ministério das Cidades concluir
que os Planos Diretores Urbanos foram prejudicados pelo pragmatismo,
imediatismo e práticas tecnocráticas na gestão urbana.[2]
Além disso, vale observar que para fins de planos
diretores urbanos e ambientais, o processo participativo fortalece demandas de
bairros e comunidades que, na sua essência, refletem interesses e práticas
paroquiais, com freqüência egoístas e/ou
oriundas de grupos dominantes e vocais. Estas demandas - nem sempre atendidas,
promovem o desinteresse por questões de âmbito municipal, metropolitano ou de maior dimensão, como projetos de
sustentabilidade econômica e ambiental, e de inserção da cidade na rede urbana
regional, nacional ou global. Também ignoram problemas mais complexos, como a
prestação de serviços em sistemas hierarquizados de saúde, educação, saneamento e mobilidade.
Estas características do planejamento participativo
limitam as possibilidades de implantação de projetos para redução das
disparidades intra-urbanas, que
exigem a valorização das questões sociais no tecido urbano da cidade
mediante procedimentos
administrativos amplos e eficazes, bem como limitam o impacto do planejamento
tecnicamente qualificado.
Ou seja: sempre que um planejamento e uma gestão local
concederem prioridade à demandas paroquiais, será difícil promover políticas de redução das
disparidades intra-urbanas no âmbito da cidade ou metrópole.
- Planejamento
Integrado
O Planejamento Integrado adotado no Plano Diretor Urbano
Integrado (PDUI), segue método que é fruto da evolução de práticas mais tradicionais do planejamento urbano e
do urbanismo nacional e global. O planejamento urbano integrado exige
diversidade de saber e equipes interdisciplinares que trabalham de forma
integrada na condução de Planos Diretores Urbanos, para que sejam compatíveis com as condições
urbano-ambientais e a gestão administrativa local.
Os PDUIs são adotados por prefeituras, empresas e
profissionais liberais, mas nada foi encontrado sobre os resultados obtidos. Por suas características e pelo processo político-administrativo
que adota, o planejamento integrado facilita a implantação de projetos de redução
de disparidades urbanas e promoção da justiça social. Para tanto precisa ser
complementado pela legislação de uso e ocupação do solo e pelo sistema tributário
municipal. Por ora, há políticas compensatórias ligadas ao zoneamento
ambiental e áreas de interesse social, mas instrumentos disponíveis (zoneamento
urbano e uso do solo, urbanização consorciada, transferência do direito de
construir e direito de superfície) não estão usados para reduzir disparidades intra-urbanas.
- Impacto Social de Planos Diretores
As duas correntes de planejamento, por ora, não promovem
a igualdade social via redução de disparidades intra-urbanas. No Planejamento Integrado
porque o tema não consta nos objetivos e na metodologia. No Planejamento
Participativo porque a prioridade é concedida à demandas de comunidades, com
procedimentos que ignoram o fato de que a cidade é mais que a soma de seus
bairros. Neste sentido, o processo participativo é menos propício a projetos de
redução das disparidades sociais e à melhoria das condições urbanísticas.
3.5. Projetos Urbanos com Objetivos Sociais
- Ideologia e Procedimentos
A intenção de transformar planos diretores e a legislação
urbana em instrumento de melhoria das condições sociais exige breve consideração
sobre as práticas adotadas, as intenções e os fundamentos das políticas
sociais.
Em tempos recentes, programas e projetos destinados a
reduzir níveis de pobreza e combater desigualdades sociais foram distorcidos
pelo interesse eleitoral e pela dominância do mercado imobiliário nas decisões
do setor público. Como observou Ferreira Gullar, práticas fundadas em interesses clientelistas
fortaleceram o patrimonialismo no país e, “paradoxalmente, o assistencialismo como política pública, que reduziu desigualdades e beneficiou milhões de
pessoas pobres, tornou-se populismo forjado para um determinado grupo
perpetuar-se no poder.” O resultado foi que a opção pelo ”assistencialismo
em lugar de investimento público” - mais necessário e importante no longo prazo -
levou o país à debacle econômico.[3]
A observação de Gullar sintetiza a evolução do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV)
para habitações de interesse social. O MCMV foi proposto pelo setor da construção
civil, que deu destaque ao que é de interesse do setor privado, e rapidamente
tornou-se o carro-chefe das políticas sociais do Governo Federal. Depois
surgiram Programas de Ação Concentrada (PAC) para saneamento, transporte de
massa, saúde e outros.
A implantação do MCMV repetiu problemas dos conjuntos
habitacionais do antigo BNH nos anos 60 e 70, com núcleos construídos ao
arrepio da lógica locacional da habitação, em áreas de baixo custo porque
distantes do tecido urbano mediante procedimentos contratuais, projetos e métodos
construtivos piores que os de décadas atrás. Além disso, as unidades construídas
pelo MCMV enfrentam a ação danosa de milícias e seus projetos não são urbanisticamente adequados.
Mais recentemente, foi concedido financiamento de bens
domésticos para famílias de menor renda em lugar da qualificação das condições urbanísticas. Como lembra Frei Betto, “políticas emancipatórias, como o Fome Zero” foram substituídas “por políticas compensatórias como o Bolsa Família. “Graças a uma série de iniciativas do Governo
Federal, (...) a população teve mais acesso a bens
pessoais. Dentro do barraco de favela, toda a linha branca favorecida pela
desoneração tributária e, ainda, computador, celular e, quem sabe, no pé do morro, o carro
comprado a prestações. Porém lá está o barraco ocupado pela família sem
acesso à moradia, segurança, saúde, educação e ao transporte coletivo de
qualidade.”
E conclui: ”A prioridade deveria ter sido o acesso aos
bens sociais. Criou-se, portanto, uma nação de consumistas, não de cidadãos”, mas do “compadrio.”[4]
O desdobramento da política habitacional em
financiamentos para aquisição de bens domésticos ignorou a importância da urbanização no aprimoramento da condição social e da
cidadania, e foi na contramão dos resultados obtidos no Favela Bairro e Morar
Carioca, dentre outros programas
similares no país.
A urbanização é, portanto, instrumento de redução da pobreza
e de disparidades sociais que fortalece a democracia na medida em que seja política pública baseada na sustentabilidade e aprimoramento da
infra-estrutura e serviços urbanos.
4. DO MÉTODO PARA
AVALIAR DISPARIDADES URBANAS
4.1. Esboços Preliminares
Décadas atrás foi publicado um esboço, intuitivo
e preliminar, de método para avaliar disparidades intra-urbanas e dispor de índice
ou coeficiente para medir Disparidades Intra-Urbanas.[5] A meta era fortalecer a cidadania e a justiça
social. Mais recentemente o tema foi retomado,[6] ainda sem conceitos e fundamentos mais
rigorosos, mas ainda com gráficos e tabelas que esboçam o método proposto. Ou
seja: o texto debatido no Seminário da CEPAL, em 1987, é o ponto de partida
desta proposta para que Planejamento e Gestão Urbana sejam instrumentos mensuráveis
para redução de desigualdades sociais.
A Imagem 2 aponta procedimentos para construção de
quadro-síntese dos procedimentos de avaliação de Disparidades Intra-urbanas.
IMAGEM 2 - DISPARIDADES INTRA-URBANAS POR BAIRRO E
SERVIÇO
CIDADE: Sta. Sra.
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FATOR DE CORREÇÃO
renda – área – populaç.
|
SERVIÇOS E INFRAESTRUTURA URBANA
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BAIRRO / REGIÃO
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+ comuns / básicos
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<< continuum >>
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- comuns / + caros
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Favelas / Menor Renda
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Urbanização Precária
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Urbanização Média
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Urbanização Média Alta
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Urbanização Alto Nível
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Urbanização Superior
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A inclinação da reta na imagem define o nível da
disparidade; as variações –
A tabela e gráfico sintetizam as características da
disparidade urbanísticas de cidade imaginária, onde a inclinação da reta define o nível da disparidade intra-urbana e as variações
de intensidade das cores preto e cinza, em serviços e infra-estrutura, indicam diferentes padrões de qualidade em um
mesmo item. Como ruas, que existem
tanto em favelas como em condomínios de luxo, mas com marcantes diferenças nos padrões de qualidade.
Para elaboração de Índice de
Disparidade Urbanas (IDU) será necessário qualificar e quantificar os
componentes da tabela, onde cada bairro / região é delimitado a partir da homogeneidade de seu padrão urbanístico. Como exemplo temos a área que engloba Ipanema,
Leblon e Lagoa, que pela homogeneidade urbanística poderá ser unidade
territorial (região) no município do Rio de Janeiro. Em São Paulo, Regina Meyer entende que “com
poucas exceções, é difícil utilizar as categorias de
urbanização propostas. Tanto nas periferias extremas como nos bairros mais
ricos será mais fácil apontar os padrões propostos. Acredito que o ideal é encarar
a mescla de padrões através de indicadores quantitativos também.”
O fator de correção define o peso relativo de cada nível de urbanização no conjunto da cidade,
a partir do indicador adotado. O padrão de disparidade urbana pode ser
quantificado pela renda média das pessoas dos que vivem em cada estrato de
qualidade urbana; ou pelo número de habitantes que vivem em cada estrato; pela área ocupada por cada estrato. Ou
por indicadores mistos que permitam estabelecer valor quantitativo da
disparidade intra-urbana. Este valor sintetizará o peso relativo de cada estrato de qualidade urbanística no
total da cidade.
Como exemplo, há duas cidades imaginárias. Na cidade “A” a Urbanização Média corresponde à 42% da área e 18% da população e a Precária e
Favelas à 26% da área e 33% da população, enquanto na
cidade “B”, o Estrato Médio ocupa 15% da área e serve 6% da população; a urbanização Precária e Favelas 45% da área e 36% da população,
respectivamente. A disparidade urbanística pode ser avaliada pelo
percentual de população ou de área ocupada por cada estrato, desde de que
adotado um padrão único de qualidade para cada estrato de urbanização.
A cidade A tem um padrão médio de urbanização
superior ao da cidade B e a disparidade urbana em B é maior do que em A.
As Imagens 3 e 4 mostram o uso da linha (reta ou curva)
de disparidade social urbana, que pode ser usada em estudos comparativos ou
para qualificar o padrão e características específicas das disparidades em metrópole igualitária e em metrópoles duais - onde a disparidade
urbana é mais acentuada.
A aplicação da metodologia em metrópoles mundiais
localizadas em países desenvolvidos, como Toronto. Nova York, Londres ou Paris,
deverá resultar em linhas mais verticais (Imagem 3). Nas do terceiro mundo,
como São Paulo, Rio de Janeiro, Cidade do México, Istambul e Nova Deli, as linhas
das disparidades urbanas serão bem mais inclinadas (Imagem 4).
Os padrões de disparidade urbana da Metrópole Igualitária e da Metrópole Dual estão indicados nas
duas imagens, com traçados intuitivos que precisam ser comprovados por
estudos e pesquisas que correspondam ao mundo real.
Ainda no campo da hipótese, as linhas curvas da Imagem 4
seriam o produto de estudos comparativos entre metrópoles duais, tal como se
concebia nos anos 60. A metrópole da linha l(t) está menos
equipada que as demais; a da linha l(c) é a mais injusta e díspar das três, e a metrópole da linha l(d) é aquela que oferece a urbanização mais
equilibrada e menos dual. Mas a observação empírica indica que a dualidade pode
surgir na forma de centro e periferia, ou como manchas de óleo - como ocorre nas favelas do Rio de Janeiro. Razão pela qual o uso dos
conceitos intuitivos acima ter seus métodos, tecnologias e conceitos devidamente
atualizados.
A Imagem 5 oferece exemplo prático sobre o uso do método
na gestão e planejamento local. Por hipótese, a situação vigente é lt, e propostas para evolução urbana da cidade que
irão resultar nas condições indicadas na linha lc
e na linha ld. A primeira é menos igualitária, a segunda atende melhor aos objetivos de
igualdade social e urbana,. As duas proposições podem ser avaliadas por políticos,
técnicos, sindicatos, redes sociais, empresários, comunidades, estudiosos e
outras pessoas que participem dos procedimentos participativos adotados nas
respectivas cidades.
IMAGEM 5: USO NA GESTÃO PÚBLICA
4.2. Cenário Atual
Os conceitos e imagens acima são produtos das década de
1980 e 1990, quando não havia computadores e softwares para uso pessoal, nem
disponibilidade de dados, informações e imagens de satélites comparáveis ao que temos hoje. Naquele tempo houve poucos avanços.
Os gráficos sustentando textos eram produzidos em máquinas de escrever e se
valiam de escassas informações quantitativas. O tema desigualdade e disparidade
urbanas era irrelevante e permanece como tal. Talvez por isso, pesquisas e
estudos não foram aprofundados e não
tiveram continuidade - apesar das tentativas feitas ao longo do tempo.
Na medida, porém, em que o combate às disparidades
sociais e ambientais ganharam relevância, houve grandes avanços no Estado da
Arte. A desigualdade social tornou-se prioridade ética e moral de acadêmicos e
item pontual de políticas públicas. As desigualdades intra-urbanas são agora
tema de importantes pesquisadores; indicadores da qualidade urbana são adotados
por órgãos de planejamento e gestão urbana; dados e índices de condições urbanísticas estão disponíveis e servem para diagnosticar e definir metas
municipais e metropolitanas.
O Estado da Arte e a dimensão dos problemas apontam para
importância de uma futura modelagem quantitativa das disparidades urbanas, a
qual exigirá modelos teóricos para definir metas e para utilizar informações; para definição de valores numéricos das disparidades
urbanas, e para consolidar a criação e a pratica de o Urbanismo Social e do
Planejamento Igualitário, abaixo esboçado.
4.3. Delimitação e Homogeneidade do Território
O sucesso de políticas sociais depende da definição da
população-alvo, benefícios e do território, e de sua compatibilidade
com os objetivos a serem alcançados. A delimitação e definição de carências, para projetos sociais em áreas urbanas
- saneamento, urbanização, segurança e outros - são feitas de inúmeras formas.
Hoje é fácil dispor de fotos aéreas e de satélite para adotar o
modo mais simples, que é o da inspeção in loco.
O importante é avaliar e delimitar territórios para que
cada área tenha um padrão mínimo de
homogeneidade urbana, sem o que será difícil estabelecer programas de melhorias compatíveis com as necessidades de
cada área ou bairro. Dito de outra forma, a avaliação das disparidades urbanas
depende dos procedimentos para delimitar áreas e bairros. Quanto mais homogêneas
forem as áreas, melhor será a qualidade do diagnóstico e maior o impacto dos
investimentos públicos. Para isso é necessário que se determinem as características
específicas de cada estrato de território homogêneo.
Quando as unidades territoriais do programa são áreas administrativas de prefeituras, ou outra
qualquer que apresente padrões heterogêneos de ocupação urbana e ambiental, será mais difícil
avaliar, elaborar diagnóstico, debater metas com a população e reduzir as
disparidades urbanísticas e sociais.
No Censo de 2010 o IBGE forneceu informações importantes sobre as características urbanísticas do entorno dos domicílios, ao grupar
moradias em função das seguintes variáveis: i) identificação do logradouro
(placas de rua); ii) iluminação pública; iii) pavimentação; iv) calçada; v) meio-fio/guia; vi) bueiro/boca de lobo;
vii) rampa para cadeirante; viii) arborização; ix) esgoto a céu aberto; ix)
lixo acumulado nos logradouros. Outras variáveis podem ser incluídas na medida
em que são fatores fundamentais para reduzir as desigualdades sociais, tais
como mobilidade e segurança.
Uma escolha flexível de variáveis é necessária devido à diversidade da morfologia, à especificidade de
cada serviço e às exigências da práxis urbana. A execução de projetos-piloto será necessária
para que se disponha de consistente metodologia de avaliação e quantificação
das disparidades urbanas e dos resultados obtidos por Planos Diretores e Leis
de Uso e Ocupação do Solo.
As tabelas do Censo fornecem estas informações cruzadas com condições
existentes nos domicílios referentes a: a) forma de abastecimento de água; b) cor e raça dos moradores; d) condição de ocupação; e) existência de banheiro ou sanitário e tipo de esgotamento sanitário;
f) por destino de lixo; g) adequação da moradia (adequada, semi-adequada e
inadequada); h) rendimento nominal mensal domiciliar per capita; i) responsabilidade
pelo domicílio e sexo; e j) grupos de idade.
Observe-se que as características urbanísticas apontam para componentes isolados - placas de rua,
meio fio / calçadas - da urbanização e para componentes vinculados à oferta de
serviços públicos - bocas de lobo indicando saneamento pluvial, ou iluminação
publica indicando oferta de energia e postes de luz nas ruas. A distinção é importante quando o objetivo for a melhoria das condições urbanísticas mediante prioridade a componentes específicos e não à oferta de sistemas e infra-estrutura de serviços públicos.
Ao avaliar as condições habitacionais da Região Metropolitana do Rio de
Janeiro (RMRJ), o arquiteto Ricardo Pontual elaborou a Tabela 1, com carências do entorno de moradias que incluem itens de
infra-estrutura urbanística - meio fio,
calçada - e itens de serviços públicos - boca de bueiro, iluminação pública.
As categorias infra-estrutura e serviços envolvem dois tipos de variáveis das
disparidades urbanas. Itens de infra-estrutura
são identificações, meio-fio e
guias, calçadas, pavimentação de
ruas, rampa de cadeirante, arborização, esgoto a céu aberto, lixo no espaço público. Itens de serviços públicos estão vinculados à prestação de serviços, como águas pluviais (boca de
bueiro), energia e segurança (iluminação pública), ou de mobilidade (parada de ônibus) e comunicação (torre de telefonia).
A qualificação dos serviços
públicos pode ser feita a partir de outros padrões unitários ou mediante métodos mais complexos de avaliação. Há serviços cuja oferta é avaliada segundo redes e prestação de serviços
- água potável, coleta
de lixo, escoamento das águas, transporte de massa e similares. Outros são
avaliados a partir das unidades de serviço que servem a população de uma área -
escolas, creches, postos policiais e praças de esporte. Duas categorias aqui não
avaliadas.
Segundo Pontual, indicadores e estudos sobre as desigualdades (incluindo
padrões urbanos) sócio-espaciais são abundantes. Ele destaca ainda que mais
de 3 milhões de domicílios da RMRJ, quase 30% estão em ruas sem placas, 91% não tem rampa para
cadeirantes, 23% não têm calçadas e assim por diante.[1]
Tudo indica, portanto, que o Estado da Arte conta com padrões e níveis de
informação que atendem às exigências de políticas para redução das disparidades
intra-urbanas.
4.5. Índice de Disparidades Urbanas e
Coeficiente de Gini
A definição de índice /
coeficiente, para avaliar a disparidade / desigualdade urbana, inicia pela
avaliação de métodos quantitativos e indicadores compatíveis com
os resultados que se quer alcançar. Para tanto são necessários urbanistas, geógrafos, estatísticos, matemáticos, pesquisadores e técnicos
capacitados e com prática no Planejamento e Gestão Urbana.
Uma alternativa seria adaptar a fórmula matemática do Coeficiente de Gini:
1− yˆ1 ∫ (1− F(y))2 dy ,
onde yˆ é a renda média
da mostra e F(y) é a parcela da população com renda abaixo da média
(y). Esta medida
corresponde à área entre a curva de 45 graus (que indica igualdade perfeita) e
a curva de Lorenz.
Para avaliação de disparidades no território, yˆ seria a média
da mostra segundo a unidade (renda / área / população) escolhida,
que seria usada como fator de correção (
ver Figura 2) da distribuição do componente na
cidade ou metrópole.
5.
PERFIL DO DESAFIO
A redução das disparidades sociais e o fortalecimento da cidadania são
desafios que o planejamento urbano enfrenta e para os quais precisa se
qualificar.
É necessário olhar as cidades de hoje e planejar as cidades para o amanhã com
a intenção de fomentar uma urbanização social e ambiental igualitária e justa,
ou, pelo menos, com menos desigualdades.[2]
Para isso o Estado da Arte conta com fundamentos jurídicos sólidos e um
cabedal de saber e experiências que inclui políticas setoriais, que oferecem
diversificado campo para análises e avaliações; estudos e pesquisas das condições
inter e intra-urbanas, e teorias e práticas de gestão e planejamento urbano que
remontam aos anos 30 do século passado e que hoje adotam os princípios do
planejamento integrado e do planejamento participativo. Além de alguns estudos
e indicadores das desigualdades intra e inter urbanas.
Para alcançarmos justiça social e plena cidadania caberá promover um urbanismo social dotado de planos diretores e normas urbanísticas igualitárias, apoiados por índice ou indicador de
disparidade urbana que quantifique o padrão urbanístico de áreas
urbanas e os resultados de políticas públicas.
5.1
Urbanismo Social e Práticas Igualitárias
O diferencial do urbanismo social é o objetivo de
promover a melhoria das condições urbanas; a redução de disparidades
inter-bairros em cidades e de
desigualdades inter-municípios em metrópoles, e por adotar práticas
selecionadas do Planejamento Integrado e do Planejamento Participativo,
acrescidos de possíveis aperfeiçoamentos mediante o uso de tecnologias e
procedimentos inovadores.
O Urbanismo Social envolve avaliação e revisão de métodos e conteúdo de Planos
Diretores, de Códigos de Obras, das leis de uso e ocupação do solo urbano e
outras normas edilícias porque são estes instrumentos de gestão que, num efeito inverso e de forma
perversa, promovem a desigualdade social e o apartheid urbano.
Este é desafio de todos que desejam democratizar o tecido
urbano. Dentre eles urbanistas, ambientalistas, geógrafos, engenheiros, sociólogos,
associações, comunidades, ou mesmo cidadãos engajados individualmente.
5.2.
Planos Diretores Igualitários
Os Planos Diretores Urbanos Igualitários – PDUI, que
devem ser definidos de forma mais precisa, tem como objetivos aperfeiçoar e
adequar conceitos da Urbanização Social às condições do mundo real; utilizar o
saber disponível para criar índice ou coeficiente de disparidades urbanas
(IDU); e utilizar novas tecnologias da informação para o fortalecimento da
cidadania urbana.
A metodologia do Plano Diretor Igualitário se diferenciará das atuais por adotar unidades territoriais
homogêneas como unidade do planejamento
- e normas urbanísticas – para reduzir disparidades intra-urbanas e
intra-metropolitanas.
O perímetro das
unidades territoriais (bairros, favelas, setores) será definido pela homogeneidade urbanística
definida por variáveis de infra-estrutura - calçadas, meio fio, pavimentação de
ruas, esgoto a céu aberto, arborização, lixo nas ruas, parques esportivos ou de
lazer. Complementarmente poderão ser incluídos ítens de serviços públicos - paradas de ônibus; iluminação pública; bocas de lobo; áreas ambientais. Sabendo-se que a seleção dos
itens a serem incluídos é fundamental.
O diagnóstico do cenário urbano e suas disparidades deverá
avaliar variáveis de forma qualitativa e quantitativa. A importância da
qualidade se evidencia, por exemplo, no item pavimentação de ruas, cujo
diferencial entre a de favelas e a de condomínios de luxo deve estar
diferenciado no valor que quantifica sua qualidade urbanística em cada território
homogêneo. A diferença
de qualidade de cada item específico estará indicada no valor atribuído para
cada bairro, cidade ou metrópole. Ainda que a pavimentação, bem como outros
itens, possam ser socialmente menos significativos, sua presença
é importante para
definir e avaliar padrões de qualidade da infra-estrutura urbanística e o impacto
de Planos Diretores Urbanos Igualitários.
Concluído o diagnóstico, caberá ouvir a comunidade local na definição de objetivos e projetos para cada território, com especial
cuidado para redução de desequilíbrios da infra-estrutura urbana.
5.3 Índice ou Coeficiente de Disparidade
Urbana - IDU
O diagnóstico e avaliação de Plano Diretor Igualitário adotarão um índice ou coeficiente quantitativo, que sintetize
as condições, qualidades e carências de cada unidade territorial e da cidade ou
da metrópole.
A formulação de Índice de Disparidade Urbana (IDU) é fundamental para avaliação e
reconhecimento do planejamento urbano como instrumento para redução de
disparidades sociais.
A partir do IDU será possível colocar a variável território urbano ao lado de variáveis
econômicas e sociais que dominam estudos, debates e projetos de políticas públicas
de combate a desníveis sociais.
5.3. Normas Urbanísticas Igualitárias
As disparidades urbanas remontam aos tempos de Platão. A
diferença é que nos tempos de Platão havia sempre a cidade dos
ricos e a cidade dos pobres, hoje temos mais gradações e escalonamentos nos
tipos de cidade.
O padrão heterogêneo de urbanização de nossas cidades é o produto da evolução
de nossa história, de valores e leis, da cultura, da economia, das múltiplas práxis urbanas, dentre tantos fatores que promovem a heterogeneidade da urbanização contemporânea. As cidades retratam a evolução de variáveis sociais, de leis de mercado, da cultura e
da legislação urbanística. Onde o apartheid urbano está em condomínios fechados e loteamentos
irregulares ao lado de “periferias metropolitanas.”
Para consolidar o Urbanismo Social será necessário
aprimorar o saber urbanístico - teórico e prático, sobre causas e soluções das disparidades urbanas,
visto que tanto Planos Diretores como Código de Obras, Leis de Uso e Ocupação
do Solo (LUOS) e outras normas e procedimentos promovem disparidades sociais,
econômicas, culturais e urbanísticas intra-urbanas, assim como fortalecem o setor
privado, a corrupção e a leniência, e sustentam invasões e apropriações de
terras.
5.4. Desdobramentos Futuros
Havendo esboçado os fundamentos da metodologia
para o diagnóstico e
seleção de variáveis urbanísticas da Urbanização Social e Igualitária, caberá agora
aperfeiçoar e adequar conceitos e práticas às condições do mundo real, às
novas expectativas sociais, e ao fortalecimento da cidadania com o apoio de
novas tecnologias disponíveis.
O impacto da Urbanização Igualitária em cada cidade poderá ser quantificado a
partir de um Índice de Disparidade Urbana – IDU, que será fator fundamental qualificação das cidades e metrópoles
brasileiras e para que o planejamento urbano possa ser devidamente qualificado,
quantificado e avaliado, mas para que também seja um instrumento de apoio à redução das disparidades sociais brasileiras.
JGF -
Brasília, 31 de julho de 2016