PARADIGMA E PARADOXO NA ESPLANADA E ARREDORES

Por: Jorge Guilherme Francisconi

Lucio Costa desenhou o plano-piloto antes mesmo das obras começarem (1957). Inspirado por “fabulosas fotografias da China do começo do século (1904 +-),” Lucio colocou as atividades nobres e inerentes à Capital Nacional sobre terrapleno em meio ao cerrado. Em croquis definiu paradigma que ainda é adotado pelo IPHAN e GDF: “construir no terrapleno e manter o cerrado como cerrado.” O que resultaria em os quadrantes leste, sul e norte do terrapleno serem riscados, apenas, por avenida ligando o Palácio do Planalto ao do Alvorada. 


O Plano Piloto da Novacap alterou o plano-piloto de Lucio, é o mapa oficial do Plano Piloto adota o paradigma como fundamento urbanístico. E ainda que a urbanização tenha ultrapassado o terrapleno e avançado nos três quadrantes, a força do paradigma é tão grande que o IPHAN acaba de aprovar a Resolução 166/2016, que insiste em preservar os quadrantes como área da escala bucólica e limitar a escala monumental ao terrapleno. 

Lucio criou a teoria das escalas urbanas (1961) para definir a escala humana do urbanismo do plano-piloto de 1957. A teoria estabeleceu os preceitos da escala monumental, residencial, gregária e bucólica e que a Esplanada dos Ministérios e Praça dos Três Poderes integravam a escala monumental e os quadrantes a escala bucólica, para “fins de semana lacustres e campestres.” 

Nas décadas seguintes, o terrapleno foi ocupado por prédios do governo federal e saturou. A solução foi construir prédios no cerrado para abrigar atividades administrativas vindas do Rio de Janeiro e outras que surgiam. Mas ainda que a urbanização avançasse de forma acelerada, o Plano Piloto permanecia sem plano regulador e sem código de urbanismo que preservassem as normas definidas por Lucio Costa. 

A crescente deterioração e as ameaças que pesavam sobre Brasília levaram Aloísio Magalhães a criar, em 1981, o “grupo de trabalho para preservação do patrimônio histórico e cultural de Brasília.” Com a mesma preocupação, o GDF contratou Lucio Costa para um “check up” de seu projeto (1984). O resultado está em “Brasília 57-85 – do plano-piloto ao Plano Piloto”. Surpreso com a cidade que encontra, Lucio faz avaliações e propostas que tangenciam o futuro de seu plano original. Sobre a expansão da escala monumental nos três quadrantes, prefere citar prédios construídos, manter o paradigma de quadrantes na escala bucólica e não propor novas ocupações. Como fez para o sudoeste e noroeste. Na conclusão, Lucio aponta para a importância de que, “na complementação, preservação, adensamento ou expansão de Brasília,” sejam “adotados os mesmos procedimentos de sua postura original.” E recomenda: “fazer prevalecer o senso comum, fugindo das teorizações acadêmicas e protelatórias, e de improvisação irresponsável.” 

O “check up” gerou produtos importantes: o decreto “Brasília Revisitada” e a inclusão de Brasília como Patrimônio Cultural Mundial, pela UNESCO (1987) por conta de suas “características arquitetônicas e urbanísticas.” 

Nos anos seguintes, a demanda por áreas para funções da escala monumental cresceu de tal forma que Portaria do IPHAN (1992) concedeu aos arquitetos Lucio Costa e Oscar Niemeyer permissão para propor edificações em áreas “non aedificandi” da escala bucólica. Neste “canetaço”, o IPHAN colocou o paradigma de Lucio na UTI – onde até hoje permanece, e criou um paradoxo. A permissão para que Lucio e Oscar projetassem o urbanismo e arquitetura em áreas bucólica desfez o paradigma de Lucio de que o cerrado se manteria cerrado; quando permite a urbanização dos quadrantes cria o paradoxo de permitir prédios em áreas “non aedificandi” – onde é proibido construir.

O impacto da Portaria foi imediato. O coerente Lucio Costa ficou fiel ao paradigma: não fez projeto urbanístico e o traçado viário que lá está não tem qualidade urbanística. Por outro lado, inúmeros projetos de Oscar foram aprovados para funções da escala monumental. Como os Anexos de Ministérios e Supremos Tribunais, todos contratados sem licitação e qualificados de inevitáveis por Maria Elisa Costa (1997).

Hoje a ocupação dos quadrantes está sendo consolidada, mas o projeto de Lucio Costa para combater quiosques na Esplanada é ignorado. E estou certo que Aloísio Magalhães não assinaria a Portaria 166 (2016) do IPHAN se vivo estivesse. Quando presidiu o IPHAN ou foi Diretor de Cultura do MEC, Aloísio criou o conceito e a política de Patrimônio Imaterial e defendeu que “A tarefa de Preservação do Patrimônio Cultural Brasileiro, em vez de ser uma tarefa de cuidar do passado, é essencialmente uma tarefa de refletir o futuro”. 

A Portaria 166 / 2016 é exatamente o contrário do que pensava e fazia Aloísio. Todo desafio consiste em planejar o futuro de cidade-capital dinâmica, simbólica e única no cenário mundial. Em lugar disso, IPHAN e GDF ignoram a realidade presente, nada propõe para o futuro e mantém paradigmas vencido pela realidade. O perímetro das escalas precisa ser revisto, o urbanismo de Lucio consolidado.

A 166 condena a ”civitas brasileira” ao mesquinho e triste destino de jamais ser representativa da Nação Brasileira. Como é Washington, com seu Mall entre o Capitólio e o Rio Potomac; ou Paris, com o Grande Eixo da França entre o Louvre e La Défense. Cada um a retratar a história, os valores e a cultura dos EEUU e da França, respectivamente.

Sem planos urbanísticos que definam o futuro, a cidade continuará nas mãos de quem ousar. O bom urbanismo foi abandonado pelo IPHAN e GDF, a escala monumental e a qualidade de vida estão em decadência. A Portaria 166/2016 como que consolida a cidade atual e não promove o planejamento urbano e preservação de patrimônio. A Portaria 166 não tem propostas concretas para consolidar a civitas nacional que Lucio Costa inventou e JK sonhava um dia ver consolidada.

A Portaria 166 repete normas que facilitam a ocupação desordenada do Plano Piloto, as invasões junto à Vila Planalto e os interesses pontuais, comerciais e outros menos transparentes. A 166 fará a alegria dos autores do PDOT que a comunidade rejeitou faz pouco.

FALAR COM JORGE FRANCISCONI