HARVARD ATERRISA NO URBANISMO DO DF
Urb. Jorge Guilherme Francisconi, MRP, PhD
A
Secretaria de Gestão do Território e Habitação do GDF (SEGETH) e a Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da UnB estão se reunindo com professores da Graduate School of
Design, da Universidade de Harvard. Talvez tratando do planejamento urbano e
metropolitano do Distrito Federal, o que não é tarefa simples. Por isso, a iniciativa
merece o apoio de todos.
Charles
Waldeim, que dirige o Escritório de Urbanização da Graduate School de Harvard,
conduz a equipe de Harvard. Ele é um expoente do Landscape Urbanism - nova
corrente do planejamento urbano, cujos fundamentos desconhecia e que encontrei
na Wikipédia.
O Landscape Urbanism, ou Urbanismo da
Paisagem (tradução livre), surgiu nos anos 90 para substituir o new urbanism [novo urbanismo]. Seu
pressuposto é que o planejamento da paisagem é melhor que a morfologia de
edificações para organizar cidades. Por isso, não segue fundamentos do planejamento
científico e da arquitetura moderna, nem do planejamento urbano integrado interdisciplinar.
Projetos do Landscape Urbanism exigem
conhecimentos da história da ciência, geografia política e econômica,
sociologia e arquitetura e podem ser vistos em Nova York, Toronto e outras.
Já a SEGETH,
antes SEDUMA e SEDHAB, pratica o urbanismo pontual e morfológico, sem propostas
de gestão estratégica ou de parâmetros mínimos para integração das atividades e
serviços na metrópole ou cidades do DF. Não há projetos para Plano Piloto, que
abriga atividades exclusivas de uma capital nacional de caráter monumental, não no sentido de ostentação, mas no sentido de
expressão palpável, por assim dizer, consciente, daquilo que vale e significa [Lucio
Costa]. Onde o monumental satisfaz a
eterna demanda do povo pela transformação de suas forças coletivas em símbolos [Louis
Kahn].
Também falta
um planejamento para a metrópole que ocupa o território DF. Suas cidades tem população
e peso eleitoral maior que o Plano Piloto, e seus planos urbanos consolidam condições
existentes e algumas vocações.
As
expectativas por um planejamento urbano qualificado cresceram quando o
Governador Rollemberg entregou a SEGETH ao IAB/DF. em especial para área do Plano Piloto expandido. Aqui caberia usar
os ingredientes de Lucio Costa ao inventar a civitas, mas nada aconteceu.
O grupo de Harvard poderá gerar sinergias, estratégias e proposições, na esperança
de que não se repita a frustração que houve após o I Seminário Internacional
sobre A Proteção ao Plano Piloto de
Brasília no Contexto Metropolitano, que TERRACAP/GDF e IPHAN promoveram em 2012.
A FAU/UnB, que
também participa do grupo, adota outros conceitos. Nos anos 60 à 80 abrigava duas
correntes de pensamento. Por um lado, o programa interdisciplinar de mestrado adotava preceitos do
planejamento integrado. No melhor estilo dos anos 60, a prática do planejamento era basicamente utilizada para previsão de
impactos e avaliação de programas, a partir da fé no método cientifico, que as ciências sociais adotaram após a II Grande
Guerra.
Em
contrapartida, a linha de pensamento liderada por Edgar Graeff entendia que havia uma campanha maliciosa e persistente
contra o arquiteto de talento, o criador singular, sob o pretexto de que acabou
o tempo do profissional liberal, de que a sociedade não se interessa pelo
arquiteto “prima dona”, de que a hora é das equipes interdisciplinares, a vez é
do coletivo...
Este dualismo
perdeu importância a partir de 1984, quando mudou o cenário político e surgiu qualificado
grupo de professores da FAU, cujos estudos
sobre as dimensões morfológicas do processo de urbanização do Distrito
Federal seguiam a Teoria da Sintaxe
Espacial, criada pelo literato Bill Hillier.
No decorrer
do tempo, a aposentadoria de professores de várias correntes abriu espaço para
o urbanismo habermasiano adotado na FAU/UnB. Esta linha de pensamento entende
que decisões e ações de planejamento devem ser definidas pelo diálogo e
comunicação racional, mediante entendimento mútuo, em lugar do uso de
princípios de lógica e saber empírico formulados de forma cientifica. Para
Habermas, pragmatismo e racionalidade na comunicação racional convergem quando
utilizadas para guiar a ação do planejadores. A principal responsabilidade do planejador é de escutar as descrições da
população e apoiar na obtenção de consenso entre diferentes pontos de vista. Em
vez de oferecer liderança tecnocrática, o planejador passa a ser um experiente
aprendiz, cuja principal função é ter sensibilidade para construir convergências
e impedir que grupos de interesse dominem o planejamento [Fainstein].
Nas últimas
décadas, a gestão e planejamento urbano nacional foram influenciados pelo pensamento
de Habermas, com pitadas do discurso
competente de Marilena Chauí e de processo participativo gerado no PT. No
cenário político, desejos e expectativas da população passaram a ser mais
influentes, mas ainda sem vencer o dominante sistema patrimonialista .
Os
fundamentos habermasianos têm sido questionados porquê impedem a realização de
grandes planos, como aqueles exigidos pelo planejamento metropolitano. Além
disso, o foco do planejamento comunicacional passa a ser o planejador, sua
atividade e suas qualidades, e não aquilo que deve ser feito em cidades e
regiões. Há também o paradoxo de que, quando o planejador comunicacional - não
o participativo, se auto-intitula moralmente
desinteressado, sua atitude se assemelha àquela dos tecnocratas que critica.
A
convergência de esforços da UnB com a SEGETH pode aperfeiçoar a atividade
urbanística e a arquitetura que temos no DF. O fato de Harvard aterrissar no terrapleno do Plano Piloto
é uma ótima noticia. A expectativa é sobre o que será produzido para aprimorar
a paisagem urbano-ambiental do DF, tanto no Plano Piloto como nas demais
cidades da metrópole. Por ora só nos resta aguardar para conhecer o que será
produzido.
jgf – 26/agosto/2016