POR UMA AGENDA SOCIAL MÍNIMA E URGENTE / Habitação


POR UMA AGENDA SOCIAL MÍNIMA E URGENTE /

Habitação

CAPÍTULO I – CONCEITOS BÁSICOS e INSTITUCIONALIZAÇÃO

CAPÍTULO II – HABITAÇÃO E URBANIZAÇÃO SOCIAL EM FAVELAS 

CAPÍTULO III – PROGRAMA DE QUALIFICAÇÃO DE IMÓVEIS PARA HABITAÇÃO SOCIAL 

CAPÍTULO IV – PRODUÇÃO DE MORADIAS POR AUTOGESTÃO E SERVIÇOS URBANOS

CAPITULO V – ALÉM DO PUHAS 29 CAPÍTULO VI – GESTÃO, GOVERNANÇA E FINANCIAMENTO

CAPÍTULO VII – PROGRAMA DE APOIO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO E TECNOLÓGICO

CAPÍTULO VIII – CONCLUSÃO 36 ANEXO – OBJETIVOS GERAIS E OBJETIVOS ESPECÍFICOS

APÊNDICE – RECOMENDAÇÕES, A TÍTULO DE CONTRIBUIÇÃO ADICIONAL PARA O DEBATE SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS HABITACIONAIS

PROGRAMA URBANO HABITACIONAL – PUHAS

“Providing adequate housing to millions of low income households globally and particularly in urban centres is one of the greatest challenges facing society. Right now, and projected into the near and medium future, millions of people do not, and will not, enjoy, or be able to lay claim to their basic human right to adequate housing. Unless concrete steps are taken by governments and city authorities, the situation can only get worse spelling the advent of further social dissatisfaction and inequality.”

Joan Clos (UN-HABITAT, Executive Director) 

CAPÍTULO I – CONCEITOS BÁSICOS e INSTITUCIONALIZAÇÃO

I. INTRODUÇÃO 

A Habitação Social é tema crítico — amplo, complexo, urgente — das políticas públicas que tratam da questão urbana, da erradicação da pobreza e redução das disparidades econômicas e sociais que atingem as populações vulneráveis que vivem nas cidades. O enfrentamento do problema exige uma agenda sustentável, baseada em uma formulação teórica precisa e numa cristalina indicação de como agir, o que priorizar e o que produzir.

O desafio, claro, não se restringe ao Brasil – ele se espalha mundo afora. Por aqui, o assunto remonta a um decreto imperial de dezembro de 1882, que estabeleceu condições para a construção de “edifícios para habitação de operários e classes pobres”. Desde então o país se desenvolveu e, ao longo de suas transformações, o problema cresceu e o conceito de habitação social evoluiu, com soluções que correspondiam às condições de cada época.

O surgimento das favelas nos anos 50 e o inchamento social da década dos 60 e 70 agravaram as injustiças e disparidades da sociedade brasileira. Mais tarde viriam novas ações de enfrentamento do desafio, mas apesar dos esforços realizados, os resultados foram insuficientes para superá-lo.

A fim de atender ao tipo de demanda dos dias de hoje cabe estabelecer uma política pública norteada pela ideia de que a habitação social envolve a oferta de habitat urbano para vida privada e para as atividades urbano-sociais do cidadão e da família. Naturalmente não se trata de mera nuance de caráter semântico ou mesmo acadêmico; corresponde e retrata, de fato, a “vida como ela é” — o habitat urbano exige a disponibilização tanto da moradia como de infraestrutura urbana que atenda as necessidades das famílias e dos indivíduos de baixa renda. Esse, aliás, é um conceito que pode ser flagrado ainda na década de 80 do século passado – entretanto, sempre foi ignorado na gestão pública. Naquela época, o entendimento de especialistas do governo federal e do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), seção DF, foi o de que a habitação não poderia ser considerada “apenas como uma unidade residencial. Sua viabilidade social tem implicações essenciais com a acessibilidade aos equipamentos comunitários, ao abastecimento de água potável e energia elétrica, ao tratamento adequado dos dejetos sanitários, ao transporte coletivo e aos meios de saneamento ambiental”.

Atualmente, a carência de moradia com urbanização aumentou sobremaneira e é fator que reforça a pobreza e as disparidades sociais do país. Para enfrentar as precárias condições de vida de grande parte da população e fomentar o direito à cidade é necessário formular e implantar um programa nacional interfederativo, que conte com o apoio de toda sociedade civil, não como uma iniciativa de caráter assistencial ou caritativo e sim baseado no compromisso firmado entre cidadãos, comunidade e setor público.

É essa a proposta do presente documento.

A princípio denominado Programa Urbano Habitacional Social (PUHAS), o conjunto de proposições que se apresentará aqui diferencia-se de outros projetos habitacionais e de urbanização de favelas e área ocupadas por famílias de baixa renda que vieram à luz no passado porque, justamente, consolida as duas demandas segundo alter- nativas de políticas públicas indicadas a seguir.

O objetivo do PUHAS é oferecer “habitat urbano”, um conceito de múltiplos faceta, que exige soluções compatíveis com as realidades locais e que não poderá ser atendido a partir de uma “solução única” para tamanho desafio. A fim de alcançar os resultados previstos, ele deverá adotar procedimentos e projetos que correspondam à heterogênea demanda nacional por habitação e urbanização.

Como programa de natureza interfederativa, em que União, estados e municípios atuam de forma integrada e complementar, o PUHAS será conduzido por um organismo que poderá se chamar Agência Nacional de Urbanização (ANURB), a ser criado para cumprir essa função e dotado de um Conselho Administrativo integrado por membros representantes das três esferas de poder, indústria da construção civil, setores financeiro e imobiliário, movimentos populares, universidades públicas e privadas e especialistas de notório saber.

II. OBJETIVOS e CATEGORIAS DE INTERVENÇÃO

Com o propósito de atender o objetivo de oferecer diretrizes e proposições para políticas urbano-habitacionais orientadas para populações de baixa renda é necessário definir programas e projetos que integrem casa-habitação com cidade-urbanização para, desse modo, garantir melhores condições de vida aos cidadãos que ora vivem precariamente nas urbes.

O conceito básico, que orienta a presente proposta, ultrapassa assim a tradicional dicotomia habitação versus condições urbanas, cuja prática remonta aos anos 1960, porém com resultados que se mostraram inadequados na prática e na teoria. É o que se observa na literatura especializada, em programas de investimentos e obras citados a seguir e também durante os encontros com diversos colaboradores que ajudaram a construir este documento – todos entendendo que, para fins de projetos sociais do setor público, o habitat familiar (residência) e o habitat social (cidade) são espaços e territórios que se integram para constituir o “habitat urbano”. A diferença está em que, nas áreas urbaniza- das ocupadas por famílias com melhor nível de renda, basta financiar a residência, toda- via em áreas sem infraestrutura urbana nas quais vivem populações pobres é necessário promover políticas públicas para financiar a “residência” e a “cidade”.

A definição de “habitat urbano” aqui adotada corresponde à meta 11.1 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, tendo o Brasil assumido o compromisso de “até 2030, garantir acesso de todos a moradia digna, adequada e a pre- ço acessível, aos serviços básicos e urbanizar os assentamentos precários de acordo com as metas assumidas no Plano Nacional de Habitação, com especial atenção para grupos em situação de vulnerabilidade”.

O reconhecimento da importância de assentamentos subnormais, ocupados por famílias pobres e carentes, motiva a oferta de apoios, de inúmeras fontes, para que seja melhorada sua qualidade de vida e haja estimulo às atividades sociais, econômicas, culturais e esportivas. Tais apoios partem do poder público e de associações e grupos organizados em todo país e servem, também, para fortalecer a coesão das comunidades, por meio de entidades nelas criadas – algo que deverá ser oportunamente incorporado no PUHAS por meio de gestores locais. Esse cenário guarda alguma semelhança com o que ocorreu no Rio de Janeiro, em 2011, quando lideranças comunitárias, representantes de entidades governamentais e não governamentais, da academia e da iniciativa privada criaram o colegiado “Favela é Cidade” ou “Favela como Oportunidade”, a partir de sugestão do Instituto Nacional de Altos Estudos (INAE).

Outro aspecto relevante para o sucesso do que aqui se propõe é a participação das famílias e das comunidades em projetos de urbanização e habitação social, uma vez que em favelas socialmente organizadas cresce a probabilidade de êxito de programas socioeconômicos, urbanos e culturais. Afinal, se, de um lado, é verdade que a população mais pobre do país não possui poupança para participar de programas formais de financiamento nos moldes bancários, por outro deve-se levar em conta que ela tem uma renda mínima e capital social que lhe permitiu tornar realidade milhares de favelas e assentamentos feitos com mão de obra e inteligência popular.

III. ANTECEDENTES DE PROGRAMAS HABITACIONAIS E URBANOS

Programas de Habitação Popular ainda hoje adotam formatos que não diferem muito

daquele implementado por D. Pedro II, no Brasil Império, para estimular a construção de “edifícios para habitação de operários e classes pobres, na cidade do Rio de Janeiro e seus arrabaldes”. O decreto, assinado pelo imperador em 9 de dezembro de 1882, entregava a execução de obras aos empresários privados, segundo planos e objetivos bem definidos e com a concessão de diversos benefícios, tais como isenção do imposto predial e do imposto de transmissão de propriedade quanto a “aquisição de imóveis necessários às construções, segundo os planos aprovados.

A partir da segunda metade do século XIX, o saber urbanístico consolidou-se, com planos urbanísticos de capitais provinciais, e, no inicio do século seguinte consolidou-se com planos urbanos para valorização da simbologia e a beleza das cidades e, mais tarde, para o saneamento urbano. Na medida em que a demanda por habitações populares tomou vulto e passa a ser uma prioridade, inicia-se um período de projetos urbano-habitacionais, que perdurou até a década de 1960, quando a demanda por habitação social foi o tema central da Reforma Urbana debatida no Seminário de Quitandinha (1963). A partir de 1964, tais projetos viriam a ser objeto maior de financiamentos do Banco Nacional da Habitação (BNH), que se manteria ativo até 1986. No século XXI, a aposta maior até agora foi no programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), lançado em 2009 e que seria substituído pelo Casa Verde Amarela, criado em 2020.

Voltando ao período anterior, nos primeiros 50 anos do século XX houve a implantação, por parte de empresários brasileiros e estrangeiros, de projetos sociais de habitação com urbanização destinados aos seus funcionários. Na década de 1930, “bairros operários” vinculados à indústria de carne foram construídos em cidades gaúchas e o industrial Henrique Laje adotou procedimento semelhante no Rio de Janeiro. Em 1936, surgiriam os Institutos de Aposentadoria e Pensões, subordinados ao Ministério do Trabalho, como o IAPI para indústria, IAPC para o Comerciários e IAPTEC para Estivadores e Transportes de Carga, dentre outros. Esses IAPs financiaram a construção de bairros de qualidade em muitos municípios do país, os quais são hoje ainda identificados como “vila” do IAPI e IAPTEC – em Porto Alegre, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, por exemplo.

A prática da urbanização como apoio à habitação persistiria, do final dos anos 60 até os 80, em financiamentos do BNH para áreas carentes e favelas e em conjuntos habitacionais voltados aos operários. Com a extinção do Banco Nacional da Habitação, algumas cidades criaram e implantaram programas multissetoriais urbanos, com destaque para o Favela-Bairro carioca, que, no século passado, recebeu investimentos da ordem de 300 milhões de dólares.

Vale lembrar que foi na década de 60 que o Brasil se tornou, de fato, um país urbano, sendo desfigurado pelo “inchamento” de grandes cidades e metrópoles. A capital paulista, por exemplo, recebeu naquele período 500 mil pessoas/ano, o que exigiria a construção de um Plano Piloto de Brasília a cada 365 dias. Sem dispor de recursos financeiros, de quadros técnicos, de gestores capacitados, de normas administrativas e de legislação compatível com a dimensão do problema o setor público promoveu programas que não atendiam à demanda. Isso levou os “excluídos” a invadirem lotes desocupados nas periferias, buscar abrigo em prédios deteriorados de centros urbanos, promover assentamentos precários e se estabelecerem sem permissão nos terrenos que encontravam – construindo moradias fora das normas técnicas e buscando, ilegalmente, acesso a um mínimo de infraestrutura para sobreviver.

Consolidou-se, então, um quadro de disparidades urbanas que persiste até a atualidade. Apesar dos inovadores programas sociais criados nas ultimas décadas, as desigualdades socioeconômicas e urbanas permanecem como desafio nacional – reforçadas e desnudadas pela pandemia de covid-19.

III. 1 BNH – Programas Habitacionais e de Urbanização

A população-alvo de projetos sociais é questão-chave para sua implantação e para obtenção e avaliação de resultados. Em políticas habitacionais, o público-alvo tem sido definido segundo patamares de estrato de renda familiar, com o custo do financiamento se invertendo proporcionalmente ao nível da renda.

Programas habitacionais de natureza social, que exigem carteira assinada de trabalho para obter empréstimos, excluem famílias sem renda comprovada ou cujos ganhos oscilem muito ao longo do ano. No entanto essa foi a modalidade de financiamento característica do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) administrado pelo Banco Nacional de Habitação (BNH). O SFH não recebia apoio significativo do erário federal porque havia sido criado para fomentar a poupança nacional e fortalecer a seguridade social do trabalhador CLT. Sua função social era alcançada mediante variações no custo dos financiamentos, inversamente proporcionais, sublinhe-se, aos níveis de renda do tomador. Tudo porque o objetivo do SFH não era financiar habitações sociais e sim investir com segurança e com boas taxas de retorno a poupança arrecadada de trabalhadores e de outras camadas.

Os recursos da poupança compulsória eram depositados no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e usados em aplicações rentáveis, gerando uma poupança que se acumulava e se somava aos recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), de natureza voluntária e também destinado a aplicações rentáveis. Para isso o SFH promoveu 4.500.000 financiamentos imobiliários, com mais da metade destinada

a mutuários de baixa renda. Os investimentos do BNH foram aplicados de forma redistributiva no território nacional, com os estados mais pobres recebendo percentual dos empréstimos totais do Banco que superavam o percentual de suas contribuições ao FGTS (à exceção de o estado do Rio de Janeiro).

Na segunda metade do século XX, o BNH primeiramente concentrou recursos em financiamentos habitacionais. Depois avançou para o setor de saneamento e apoiou projetos de urbanização, projetos urbano-habitacionais para companhias privadas e para empresas públicas. Expliquemos, resumidamente cada um deles:

  1. CURA (Programa Comunidade Urbana para Recuperação Acelerada), com linha de crédito restrita ao desenvolvimento urbano e com empréstimos às prefeituras destinados à recuperação de bairros e áreas das cidades visando melhorar as condições de serviços e infraestrutura, corrigir distorções causadas pela especulação imobiliária e racionalizar e qualificar o uso do solo.

  2. O PROHEMP (Programa Habitacional Empresa), que financiava a construção de habitações para funcionários de empresas.

  3. O PRODEPO (Programa de Apoio ao Desenvolvimento de Polos Econômicos), o qual financiou projetos associados à implantação de polos e distritos industriais, o que permitiu a construção de núcleos urbanos dotados de habitações e infraestrutura de serviços e ocupados por gestores, técnicos e trabalhadores de grandes obras no país. Exemplos de destaque foram os bairros erguidos em Foz do Iguaçu para envolvidos na construção da Hidrelétrica de Itaipu (PR) e núcleos urbanos de apoio à construção da Hidrelétrica de Sobradinho, no rio São Francisco (BA).

Para atender famílias com baixo poder aquisitivo e sem condições de acesso aos em- préstimos, por não terem renda fixa, o BNH ofereceu empréstimos subsidiados para habitação e urbanização a partir de programas que receberam aporte financeiro – com garantia de pagamento dada pela União – do Banco Mundial (BIRD) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Os três principais programas foram estes:

  1. PROFILURB (Programa de Financiamento de Lotes Urbanizados), que financiava a aquisição de lotes dotados de infraestrutura básica para famílias de renda baixa em áreas de sub-habitação, com 70.000 moradias produzidas.

  2. O PROMORAR (Programa de Erradicação de Sub-habitação), que visava erradicar ou urbanizar ocupações sem remover famílias e sim fixando os moradores nas áreas que ocupavam — mesmo que a partir de invasões.

  3. O Programa JOÃO DE BARRO, destinado a financiar a aquisição de terreno e da cesta de material para construção por mutirão em cidades de pequeno porte.

Com a extinção do BNH, em 1986, como foi dito anteriormente, a União colocou as politicas habitacionais em segundo plano até o ano de 2009, quando foi instituído o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), cuja a finalidade era a de “criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma de imóveis rurais, para famílias com renda mensal de até R$ 4.650,00...”. O PMCMV foi, sem sombra de dúvida, o programa habitacional social que mais subsídios ofereceu às famílias com renda mensal inferior a R$ 4.000,00.

Em áreas urbanas, o PMCMV (PNHU) foi estruturado segundo a renda mensal das famílias, com cada “FAIXA” programática correspondendo a um padrão específico de financiamento, como segue:

FAIXA 1 – Renda familiar até R$ 1.800, 00 com subsídio de até cerca de 95% do valor do imóvel e pagamento em 120 prestações mensais de, no máximo, R$ 270,00, sem juros. A FAIXA 1 atendeu a demanda da habitação social, correspondeu a 32% das habitações produzidas pelo PMCMV e abrigava o MCMV Faixa 1, MCMV Entidades – que apoiava programas de mutirão – e o MCMV Financiamento.

FAIXA 1,5 – Renda familiar até R$ 2.600, 00, com até R$ 47.500,00 de subsídio e juros de 5% ao ano.

FAIXA 2 – Renda familiar até R$ 4.000, 00 com até R$ 29.000,00 de subsídio e 6% a &% de juros ao ano.

FAIXA 3 – Renda familiar até R$ 9.000, 00, com 8,16% de juros ao ano.
Para famílias de agricultores e trabalhadores rurais, a renda anual deveria ser de até R$ 78.000,00.

Durante seus primeiros dez anos de existência, e apesar dos contigenciamentos orçamentários enfrentados a partir de 2015, o PMCMV aplicou, segundo Laryssa Kruger da Costa, mestre em arquitetura e urbanismo e pesquisadora do Insper, cerca de R$ 100,0 bilhões, dos quais 90% destinados às habitações para famílias com renda de até 3 salários mínimos – exatamente aquelas que enfrentam restrições e instabilidade de renda e correspondiam a 80% de déficit habitacional do país (ver https://www.quatrocincoum. com.br/br/colunas/as-cidades-e-as-coisas/habitacao-social-em-debate).

Juntos, o PMCMV e o BNH financiaram cerca de 5,5 milhões de unidades habitacionais, contudo o PMCMV atendeu melhor as famílias carentes e os empresários na medida em que o sistema adotado de subsídios deu sustentabilidade aos investimentos e a construção não dependia da renda familiar e sim do orçamento público federal (com estados e municípios comemorando os resultados, ainda que sua participação não fosse obrigatória).

O Minha Casa Minha Vida financiou a construção de cerca de 3,4 milhões de mora- dias sociais e alguns estudos destacam, de acordo com Kruger da Costa, “que os tributos

arrecadados na FAIXA 1 foram superiores ao total dos investimentos do OGU”, a cadeia produtiva da construção correspondendo, no biênio 2013 / 2014, a 12% do PIB nacional.

III. 2 Impacto do BNH e do PMCMV

A construção de conjuntos habitacionais destinados às populações carentes é e continuará sendo um componente importante das políticas públicas sociais e de emprego, porque atende a demanda de famílias pobres e gera emprego para pessoas com escassa qualificação profissional. Mas para melhorar a qualidade urbano-habitacional das populações-alvo faz-se necessário corrigir erros cometidos na quase totalidade dos conjuntos tipo BNH e PMCMV – entre os quais é possível destacar a construção em áreas periféricas, com as edificações isoladas do tecido urbano, e o financiamento baseado em operações de crédito, as quais exigem aporte de recursos públicos para subsidiar populações carentes.

Quanto aos procedimentos administrativos, tanto o BNH como a CEF adotaram –no caso da Caixa, segue adotando – soluções burocraticamente fáceis e expeditas para atender demandas do setor da construção civil e de tomadores por estrato de renda na execução de programas de produção de habitações populares em larga escala que atendam à expectativa dos órgãos financiadores. Para tanto, o que se priorizam são “estatísticas de produção”, evitando-se “dificuldades de gestão de uma miríade de peque- nos contratos e fiscalização das respectivas obras,” como lembra o arquiteto e urbanista Manoel Ribeiro, que tem larga experiência em políticas habitacionais e projetos para qualificação de favelas.

Se avaliados a partir das informações disponíveis, os resultados indicam que o sistema de seleção baseado em estratos de renda deu bons resultados nos programas exclusiva- mente habitacionais cujo público-alvo era limitado aos indivíduos com carteira assinada, considerado o princípio de que ”quem não tem renda regular comprovada está fora, in- dependentemente de qualquer esquema de gestão que se venha a inventar (cooperativas, ONGs, etc.)”, como observa Ribeiro.

Essa restrição foi atenuada em países como a Costa Rica, onde a exitosa política habitacional, segundo o arquiteto e urbanista Peter Schweizer, que a concebeu e conduziu, priorizou as famílias com renda entre 1 e 4 salários mínimos porque elas têm como principal característica não possuírem “renda suficiente para realizar nenhum tipo de poupança; portanto, não são sujeitos de crédito bancários de forma alguma, e o BNH, em seus anos de atuação, pôde observar isso com claridade.”

Sublinhe-se, por fim, que a produção em massa de habitações populares em áreas isola- das e periféricas dificultou o acesso da população pobre ao emprego e à cidade formal, exigiu a extensão de redes de infraestruturas e serviços pelo setor público e aumentou o valor das terras entre a malha urbana consolidada e os novos empreendimentos. Além disso, destaca Ribeiro, “os lugares socialmente homogêneos impedem os contatos interclasses e afastam os moradores dos equipamentos públicos de educação e saúde, das oportunidades diversificadas de consumo e amenidades; um exemplo disso são as Cohabs”.

IV. O PUHAS

A proposta do PUHAS inclui a qualificação e a recuperação de favelas, com integração na tecitura urbana; a recuperação e a qualificação de prédios ociosos e abandonados em áreas urbanas, com o propósito de moradia e apoio sócio educacional para famílias que vivem em ocupações irregulares e o financiamento para autoconstrução de unidades urbano-habitacionais.

Ressalte-se, todavia, a diferença do que aqui se apresenta em relação a iniciativas anteriores – que só promoviam a construção de novas unidades habitacionais por em- presas privadas – porque, antes de tudo, há o investimento na requalificação de prédios existentes. Desse modo, a proposta permite a recuperação econômica de valiosos patrimônios imobiliários que estejam deteriorados, abandonados ou subutilizados e qualifica a infraestrutura em áreas urbanizadas e favelas, além de estimular e reforçar a participação do capital social e de forças latentes das comunidades mediante procedimentos participativos na escolha das prioridades, na autogestão e na execução de projetos.

O que se propõe aqui representa inovação na medida em que integra políticas públicas em andamento a partir de uma gestão integrada e descentralizada, dotada de recursos financeiros e capacitada para oferecer apoio técnico aos que participam do programa.

São, portanto, três as vertentes que constituem o PUHAS, as quais atuarão em paralelo e de forma independente. Resumindo:

  1. (i)  Políticas habitacionais e/ou de urbanização de favelas, de âmbito nacional, com ou sem participação da população local nas obras, ou de estímulo ao capital social, assunto do capítulo seguinte;

  2. (ii)  Projetos de recuperação e qualificação do patrimônio imobiliário abandonado, seja público ou privado, recente ou tombado, com localização em áreas urbanas e passível de uso como habitação, tema do capitulo III;

  3. (iii)  Produção de moradias por autogestão, segundo a proposta de projeto de lei mencionada adiante, no capitulo IV.

CAPÍTULO II – HABITAÇÃO E URBANIZAÇÃO SOCIAL EM FAVELAS

I. TIPOS e MODELOS DE HABITAÇÃO E URBANIZAÇÃO SOCIAL

Como foi mencionado anteriormente, a construção de bairros ou “vilas” dotados de habitação social e urbanização de qualidade remonta às iniciativas promovidas por empresários e Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs) no início do século passado. A partir dos anos 1960, ganhou força a ideia de construir bairros de moradias para populações que viviam em favelas, sendo a Vila Kennedy e a Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, inauguradas durante o governo de Carlos Lacerda, dois exemplos notórios. Mais tarde, o BNH e a prefeitura da capital fluminense promoveram programas para recuperação urbanística de favelas, entre os quais o Favela-Bairro (1995-2000), que, implantado em duas etapas, se tornaria mundialmente reconhecido. Mais recentemente, o programa Morar Carioca (2010-2016) também investiu na urbanização de favelas e loteamentos.

Se comparado com o total de recursos aplicados na habitação social, o percentual investido em programas urbano-habitacionais foi muito pequeno. A maior parte dos gastos federais entre 1960 e 2018 foi destinada à construção de moradias e ao saneamento e só um pequeno montante foi repassado para as prefeituras empregarem, elas mesmas, em obras de infraestutura urbana. O que se verificou, de todo modo, foram programas e projetos de habitação popular e de urbanização andando em paralelo e de forma independente.

A partir da heterogeneidade que caracteriza as favelas torna-se necessário avaliar suas diferenças como condição necessária à formulação dos padrões de intervenção que serão adotados no PrIHUS.

Experiências do passado e os conhecimentos e testemunhos recolhidos durante pesquisas e debates organizados para a formulação do presente documento conduzem à certeza da necessidade de se estabelecerem níveis de intervenção a partir da avaliação de indicadores disponíveis no IBGE e da cartografia acessível em várias instituições. Grosso modo, haveria três categorias básicas de intervenção urbano-habitacional para atender populações que vivem em favelas. Tais categorias correspondem aos tipos de atividades que promovem. A saber:

i. Melhorias Formais do Espaço Urbano e das Habitações, que correspondem a pequenas intervenções nas moradias e na infraestrutura de serviços, com qualificação da paisagem, sim, é verdade, mas sem alterar a “fábrica urbana” e o “habitat casa/bairro” em que vive a respectiva população. Projetos dessa natureza foram implementados no Morro Santa Marta e na Favela da Serrinha, no Rio de Janeiro.

ii. Melhorias Estruturais Urbanas e Habitacionais, que exigem atuação de maior envergadura, incluindo demolições e a construção de edificações, com apropriação de novas oportunidades e incremento dos potenciais do assentamento. Para tanto, é fundamental o reforço de suas conexões e de sua integração à cidade formal por meio de investimento na oferta de serviços básicos (energia, limpeza pública, saneamento), incrementando o acesso dos habitantes a serviços de saúde, educação e emprego. Foi o que se fez na comunidade do Pavão Pavãozinho e no já citado programa Favela-Bairro, programa da prefeitura do Rio de Janeiro.

iii. Construção de Novos Assentamentos, nos moldes dos mencionados bairros cariocas de Vila Kennedy e Cidade de Deus.

Mais adiante voltaremos a essas três categorias.

II. IDENTIFICAÇÃO DE FAVELAS-ALVO

As populações-alvo do PUHAS para oferta de “habitat habitacional urbano” são, reforce- mos, aquelas que vivem em assentamentos irregulares assinalados pelo IBGE e conheci- dos como favelas, invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas, loteamentos irregulares, mocambos e palafitas, entre outras denominações.

O IBGE adota, desde 2010, o conceito de “aglomerado subnormal” para designar “um conjunto constituído por no mínimo 51 unidades habitacionais (barracos, casas, etc.), ocupando ou tendo ocupado até período recente terreno de propriedade alheia (pública ou particular), dispostas, em geral, de, forma desordenada e densa; carentes, em sua maioria, de serviços públicos e essenciais.” “Aglomerados subnormais”, portanto, nada mais são do que uma forma de ocupação irregular de território pertencente a outrem para fins de moradia em áreas urbanas.

A partir de dados disponibilizados publicamente é possível mapear a distribuição dos aglomerados subnormais por todo o Brasil, assim como mensurar as condições em que se encontram os serviços de abastecimento de água, coleta de esgoto e lixo e forneci- mento de energia elétrica, além de se dispor de variáveis sobre quesitos da urbanização que o Censo de 2022 irá oferecer.

A nível municipal, as áreas de aglomerados subnormais correspondem às Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), previstas no Estatuto da Cidade (2001) como instrumento dos planos diretores, cujo objetivo é viabilizar projetos destinados a reduzir desigualdades socioeconômicas e urbanas.

Os aglomerados subnormais não se confundem com “assentamentos precários, assentamentos informais ou domicílios inadequados”, um conceito mais amplo orientado apenas para moradia e que segue três eixos de variáveis: (i) população em assentamentos (favelas, áreas sem saneamento básico, água tratada, superlotação em dormitórios, estrutura física imprópria de residências); (ii) habitações precárias ou inadequadas (inclui inacessibilidade aos imóveis devido ao custo relativo do aluguel); (iii) habitações informais (não legalizadas ou regulamentadas).

De acordo com estimativa recentes do IBGE (2019), havia 734 municípios com 5.127.747 milhões de domicílios ocupados e 13.151 mil aglomerados subnormais no país. Em 2010, os números eram de 323 cidades, 3.224.529 domicílios e 6.329 aglomerados subnormais.

Pelos dados disponíveis, entre os estados o Amazonas tem a maior proporção de domicílios em ocupações irregulares (34,59%). Em seguida, figuram Espírito Santo (26,1%),

Amapá (21,58%), Pará (19,68%) e Rio de Janeiro (12,63%). Em São Paulo, 7,09% dos domicílios estão em aglomerados subnormais. No outro extremo, Mato Grosso do Sul é o estado com a menor proporção (0,74%).

As ocupações irregulares, cuja proliferação tende a ser associada às cidades maiores, também acontecem, em grande proporção, em municípios pequenos e capitais do Norte e Nordeste. Veja-se o caso de Vitória do Jari (15,9 mil pessoas), no Amapá, que tem 74% dos domicílios localizados em aglomerados subnormais. Em Belém e Manaus, mais da metade dos domicílios são ocupações irregulares ( 55,5% e 53,3%, respectivamente). Na capital baiana, Salvador, o total é de 41,8% das habitações.

Segundo Cayo Franco, gerente-geral de Geografia do IBGE, no Rio de Janeiro e em São Paulo a proporção de domicílios nos chamados aglomerados subnormais não ultrapassa a marca de 20%, mas a quantidade de imóveis em tais comunidades é a maior entre to- das as demais capitais: no Rio são 453.571 domicílios em aglomerados subnormais e na metrópole paulista, 529.921 (embora tenha quase o dobro da população).

A Rocinha (RJ) segue sendo o maior aglomerado subnormal do Brasil, com 25.742 domicílios, seguido pelas comunidades do Sol Nascente (DF), com 25.441 casas; Rio das Pedras (RJ), com 22.509; e Paraisópolis (SP), com 19.262 domicílios em ocupações irregulares.

Entretanto, é preciso frisar que esse levantamento não apresenta toda a dimensão da vulnerabilidade no país, uma vez que certos bairros não foram incluídos na classificação de aglomerados subnormais, por motivos como o fato de possuírem alguns serviços básicos ou porque as pessoas lá residentes tinham a posse legal dos terrenos. Ao que cabe acrescentar, para fechar este bloco: o impacto da pandemia de covid-19 ainda está por ser plenamente mensurado e qualificado; as informações disponíveis são, portanto, insuficientes para deli- mitar e precisar quais territórios devem, de fato, figurarem como prioritários do PUHAS.

III. TERRITÓRIOS DE INTERVENÇÃO, CUSTOS E BENEFÍCIOS

As intervenções do PUHAS abrangem três escalas diferentes de território: 1) A qualificação da moradia envolvendo financiamento ao proprietário do imóvel; 2) A qualificação da própria favela, o que implica em compromisso entre financiadores/investidores com a prefeitura e/ou organizações da comunidade e/ou, ainda, muitas vezes, entre órgãos públicos, privados e de natureza social; e 3) A integração do aglomerado subnormal à urbe, o que pode implicar em inúmeros tipos de intervenção. Para que ocorram ações nas três escalas do território, parcelas do total de recursos disponíveis serão destinadas a cada escala, segundo prioridades técnicas e da comunidade.

Normas para esses procedimentos ganharão forma e consistência na medida em a execução do PUHAS avance e irão variar de acordo com as características e condições de cada favela e cada projeto – sendo importante a integração da favela no entorno urbano para fortalecer sua base econômica.

Na ausência de estudos e avaliações conceituais e quantitativas que permitam estabelecer o programa de imediato é recomendável que, para o êxito do PUHAS, o pro- cesso seja iniciado com projetos-piloto e, ao mesmo tempo, seja ampliada a rede de conhecimento e debates sobre o tema, valendo-se de especialistas e instituições nacionais e estrangeiras. Levantamentos de custos e benefícios serão necessários para o melhor uso dos escassos recursos disponíveis frente ao agravamento da crise urbano-habitacional.

As metodologias tradicionais priorizam custos de investimentos em obras; aqui porém é imperioso mensurar os benefícios tangíveis e intangíveis proporcionados a cada família e a cada comunidade. Por essa razão, o método escolhido terá variáveis capazes de medir e avaliar alternativas de intervenção e resultados vinculados às condições existentes e aos potenciais de qualificação socioeconômica e cultural nos respectivos territórios. Para tanto lançará mão de um shadow price (preço sombra) que quantifique o capital social associado ao custo-benefício alcançado pelos investimentos. Isso porque intervenções de natureza social estão associadas ao valor intangível do chama- do “capital social”, o qual inclui benefícios gerados a partir de redes de solidariedade ou obtidos mediante a preservação da interação comunitária, do mesmo modo que leva em conta os custos que seriam gerados pelo rompimento das relações nas comunidades. Os valores obtidos constituem o shadow price dos benefícios ou perdas gerados pelo projeto – o que permite monetizar o potencial de comunidades organi- zadas e coesas dispostas a reduzir custos de melhorias e de regularização urbanística e fundiária, visto que a posse ou propriedade do imóvel é importante em uma sociedade que a associa com cidadania.

Inserir a coesão social no programa é imprescindível porque em comunidades onde há atividades culturais existe maior autoestima e identidade das pessoas – um sentido mesmo de “pertencimento”. A preservação e o fortalecimento da coesão social é, por- tanto, componente da qualificação urbano-ambiental de favelas que convém considerar em avaliações custo/benefício mediante shadow price social.

IV. CONTINUUM DOS NÍVEIS DE INTERVENÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS

A partir de experiências passadas é possível indicar, reiteremos, diferentes tipos alternativos de intervenção, objetivos e resultados. Cada tipo corresponde a uma concepção sobre o quanto cabe transformar em determinado assentamento subnormal e quanto investir na qualificação urbano-habitacional-social. Isso envolve um continuum (Figura 1) que – vale sublinhar – tem início com intervenções pragmáticas e baratas e alcança patamares de natureza extremamente custosas e sofisticadas, sendo o primeiro tipo correspondente ao ponto extremo A e o mais complexo ao ponto extremo E. Assim:

Figura 1. Continuum: tipos e categorias de intervenção – PUHAS

O conceito de continuum permite definir e comparar níveis de intervenção de políticas públicas com objetivos comuns. Nesse caso, o da qualificação urbano-habitacional de favelas em tipos que, no seu conjunto, constituem categorias. Uma avaliação intuitiva sugere que, nos exemplos apontados páginas atrás – quando falamos de Melhorias For- mais do Espaço Urbano e das Habitações, Melhorias Estruturais Urbanas e Habitacionais e Construção de Novos Assentamentos –, as intervenções no Morro de Santa Marta e na Favela da Serrinha ficariam entre os tipos A e B, o Favela-Bairro no entorno do tipo D e o projeto original da Cidade de Deus no entorno do tipo E.

As categorias de intervenção que aqui tratamos têm, é preciso destacar, sólidos fundamentos em comum. O primeiro deles é que a escolha do nível de intervenção deve ser feita a partir das condições técnicas e financeiras disponíveis, das avaliações de custo-benefício que correspondam a demandas e expectativas da comunidade e do compromisso de redução da pobreza e das disparidades sociais, mediante fomento e apoio aos potenciais e às características dos habitantes e dos movimentos em questão.

O segundo fundamento consiste em entender que favelas não são fatalidades inexoráveis. Muito ao contrário, elas surgiram para atenuar o problema da moradia e da inserção de populações pobres nas cidades, algo que exige hoje maior atenção do que antes. Isso porque, como indica Manoel Ribeiro: (i) favelas constituem expressões urbanísticas da dívida social brasileira; e (ii) as mais centrais são focos de resistência às forças centrífugas do mercado, que atuam no sentido de expulsar a população pobre para as periferias das urbes.

Partindo desses fundamentos, Ribeiro conceitua favelas como “malhas urbanas diferenciadas, integrantes da cidade contemporânea, carentes de infraestrutura adequa- da a suas condições específicas”. Assertivo, ele sentencia: “Precisamos entendê-las e aceitá-las como tal”.

Um terceiro fator a ser avaliado em programas de qualificação de favelas é sua localização e sua inserção no tecido urbano. A partir dessa avaliação ficam definidas as dificuldades e potenciais que os habitantes daqueles conglomerados subnormais dispõem na tecitura da cidade. O diagnóstico de sua inserção no espaço da urbe formal avaliará a integração de serviços (transporte público, coleta de lixo) e o uso dos equipamentos sociais (educação, saúde, cultura) por parte da população de cada favela. Tal integração, elemento fundamental do PUHAS, deve ser de responsabilidade das prefeituras, cabendo a elas também fortalecer o trabalho comunitário e adequar normas e códigos municipais e a legislação urbanística para esse fim.

V. CONTINUUM DE PARTICIPAÇÃO DA POPULAÇÃO NO PUHAS

A participação da comunidade na gestão urbana é prática hoje defendida amplamente, mas permanece controversa na teoria e nebulosa na prática devido à falta de normas gerais que definam conceitos e procedimentos.

Nos projetos urbano-habitacionais em favelas, a participação dos moradores é im- portante na fase de decisão sobre o que fazer e ainda na de execução das obras. Todavia há muita discórdia sobre o que realizar em cada fase e em relação ao tipo de projeto (A, B,..., E). Isso porque o potencial de participação da comunidade em um projeto simples é maior do que nos complexos.

No PUHAS, o envolvimento comunitário é peça-chave. Sua inclusão no programa – na escolha dos projetos ou na execução das obras – deve ser normativamente definida e financeiramente estimulada em cada uma das fases, para que não se torne uma mera figura de retórica, tal como se vê tantas vezes, Brasil afora, no processo de preparação de planos diretores.

Como se sabe, o papel das próprias comunidades na construção de habitações populares é prática antiga – incluindo casos, inúmeros, de colaboração com corpos técnicos. No campo dos princípios, nos idos de 1986, membros do Ministério do Desenvolvimento Urbano e do e IAB-DF ressaltavam que “a provisão de habitações é uma responsabilidade do Estado, o que não quer dizer que ele deva construir essas habitações”, conforme se lê em Política Habitacional – Política Urbana. Contribuição do Sistema Financeiro da Habitação e a Nova Política Urbana, divulgado pela seção de Brasília daquela instituição de arquitetos. Ao Estado caberia “instaurar um conjunto de condições favoráveis e in- centivos”, com “socialização do solo urbano”, a “flexibilização das normas nacionais para fomentar os potenciais locais” e “diversificação de processos produtivos com base no incentivo a todos os tipos de cooperação”, em que “os chamados ‘mutirões’ não deverão ser consagrados como a única forma de cooperação” por conta das alternativas e diversidades existentes no país. Assim, a política habitacional iria reorganizar “a produção e a reprodução do habitat, sua distribuição e seu consumo”, exigindo a democratização da decisões e o engajamento “das populações na produção e no controle do consumo (para reorganizar) a produção do habitat”, sempre apoiados e sustentados pelo saber técnico.

Com o Estatuto da Cidade e o Movimento da Reforma Urbana, a participação da população ganhou novos contornos na medida em que fundamentos da democracia participativa gramsciana e do “direito à cidade” preconizado por Henry Lebfevre conduziram ao orçamento e ao planejamento participativo, o que reduziu o poder atribuído ao Executivo e ao Legislativo. Os resultados alcançados foram positivos em muitos aspectos, no entanto, conceitos, procedimentos e nível de importância do processo participativo pre- cisam ser normatizados para que seus potenciais sejam plenamente explorados – como ocorre, aliás, na França, nos países ibéricos e nos saxônicos.

Em programas orientados para qualificação de favelas há consenso de que – como sintetiza Ribeiro, com apoio de Schweizer e do também arquiteto Claudio Acioly, que chefiou a Politica Habitacional da UN-Habitat, e que hoje lá permanece atuando em pesquisa e capacitação profissional – o importante é “ouvir a sabedoria dos moradores”. Em especial, na “questão das regularizações dos padrões de ocupação e tipologias habitacionais”. Além disso, precisamos “ser criativos na instalação das infraestruturas”. Para tanto, o PUHAS deverá definir normas bastante cristalinas.

A participação dos habitantes nas duas fases de projetos urbano-habitacionais em favelas deverá ser flexível. Seja para atender às peculiaridades do que é proposto em cada um deles, seja para aproveitar o potencial, as características regionais e as tipologias socioeconômicas e culturais de cada favela. Do contrário, como lembrou Maria Zenilce, líder comunitária de Fortaleza, não dará certo, por exemplo, tentar impor “mutirão construtivo” quando a população “vai vender tijolos e telhas para ter um dinheirinho”. Em contraponto, é preciso concordar com o arquiteto e urbanista Washington Fajardo, secretário de Planejamento Urbano da Prefeitura do Rio de Janeiro, quando ele diz que os moradores das favelas “sabem o que é melhor para resolver suas necessidades e também como pôr de pé suas moradias, pois, como destaca Ribeiro, “muitos trabalham na construção civil”. Para Fajardo e Ribeiro, “o que eles precisam é que o Estado providencie a instalação da infraestrutura, assim como já o fez na cidade formal””

A escolha das atividades prioritárias pela comunidade cresce e torna-se mais complexa na medida em que o Estado não tem condições de resolver o amplo leque de problemas de forma simultânea. Um deles, sempre citado, é o da regularização urbana, que inclui parcelamento, uso e ocupação do solo, a questão edilícia (código de obras) e a fundiária (propriedade por meio de cotas ideais, direito real de uso ou outra modalidade de reconhecimento permanente da posse).

Ha também a alternativa do PUHAS concentrar seu apoio em poucas atividades, o que reduziria a importância da manifestação das comunidades. Essa opção segue práticas adotadas, de acordo com Acioly, em vários países africanos. No Malawi, o objetivo foi o acesso ao solo urbano, tema que envolvia “processos, valores, mecanismos de compra e venda e processos de ocupação”; em Gana, prevaleceu “o acesso à habitação e ao solo urbano”, o que também exigiu estudos aprofundados; já o programa implantado em Uganda orientou-se “pela mobilização de materiais de construção para a construção formal e informal”. A alternativa de orientar o PUHAS para um pequeno número de prioridades também é factível, oferece melhores condições para obtenção de resultados imediatos e facilita as escolhas por parte das comunidades.

A outra alternativa consiste em que o programa abarque complexa diversidade de opções, oferecendo às comunidades o direito de escolher tanto os projetos como sua for- ma de participação na execução deles. As duas alternativas estão resumidas no segundo continuum (Figura 2), com participação na escolha do tipo de projeto sendo indicada por

A’, B’, C’.... E’, e a participação na execução do projeto por A’’, B’’, C’’... E”. A imagem permite vincular os heterogêneos padrões de participação popular, que surgirão em todo país, com os tipos de projeto de cada categoria. O pressuposto sendo que a participação da comunidade é diretamente proporcional à sua simplicidade e inversamente proporcional ao seu nível de complexidade.




Figura 2. Continuum do nível de participação da comunidade

Para ampliar o interesse de participação das comunidades nas duas etapas indicadas, o PUHAS poderá adotar incentivos financeiros que fortaleçam o comprometimento dos habitantes com os projetos a serem implantados. Sabendo-se que a compatibilização de procedimentos participativos em projetos (Figura 2) com o seu respectivo tipo (Figura 1) é tema que precisa ser aprofundado. Por ora, cumpre avaliar exemplos de intervenção segundo dois projetos citados por Manoel Ribeiro.

No Morro Santa Marta (Imagem 2), o projeto de qualificação estaria, como frisado há pouco, no intervalo A / B do continuum. Localizado no bairro de Botafogo, suas características podem ser descritas assim, segundo Ribeiro: “Solo de rocha sã, grande de- manda, grande declividade. Padrão habitacional: testada estreita para os caminhos (para caberem mais casas), com imóvel lançado sobre o panorama, com pilares de concreto cravados na rocha, permitindo cômodos abaixo da cota de soleira. (Imagem 1) Devido a alta densidade de ocupação e consequente exiguidade e raridade de áreas públicas, a microssociabilidade se exerce nas lajes de cobertura. (Imagem 2). “

Além do plano urbanístico foi implantada uma governança que inclui convênio com a Light, que troca sacolas de recicláveis por créditos na conta de luz, enquanto o lixo orgânico é recolhido por garis até as estações do plano inclinado, por onde desce para as caçambas de coleta, no sopé do morro”.

Imagem 1

Outro exemplo carioca foi o da Favela da Serrinha, em Madureira. “Solo de terra, baixa demanda, declividade suave. Padrão construtivo: casas geminadas, ao longo das curvas de nível, de modo a evitar maiores cortes e aterros, com lateral para os caminhos e escadarias e fachada voltada para a passarela de acesso e o panorama”, conforme descrição de Ribeiro.

Houve ali a construção de 15 novas habitações para famílias realocadas por risco ambiental – as casas construídas com tijolos recozidos, sem reboco, para não se diferenciarem das outras da favela (Imagem 3). O plano de intervenção urbanística foi feito para atrair o “público do asfalto” (integração com o bairro e a cidade), que participa das inúmeras manifestações culturais locais, com “palcos” nos espaços que já as acolhiam e acessibilidade (estradinha a meia encosta e plano inclinado de acesso ao alto do morro).

Tal tipo de intervenção também estaria no intervalo A / B do continuum.

O heterogêneo universo da população-alvo de programas interfederativos para qualificação de aglomerados subnormais exige, portanto, normas gerais que possam ser desdobradas por estados e para atender às características dos municípios e o pluralismo de cada favela, uma vez que cada projeto corresponde a um tipo intervenção, como indicado nas figuras do continuum.


Imagens 2 e 3

O nível mais complexo de intervenção envolve a heterogeneidade, a inserção no território urbano e os potenciais de participação comunitária na execução do programa de atividades em cada favela. Bom exemplo disso foi o Programa Favela-Bairro, um complexo projeto de investimentos e atividades criado para qualificar o habitat de aglomerados subnormais cariocas e implantado em duas etapas. A primeira, o PROAP I (1995-2000), qualificou 38 favelas e a segunda, o PROAP II (2001-2007), fez o mesmo em relação a 64 favelas e 20 loteamentos, com tipos de projetos que estariam entre D e E de intervenção, no continuum A-E.

Concebido pela prefeitura carioca e contando com apoio técnico e suporte financeiro internacional, o Programa Favela-Bairro interviu em dezenas de conglomerados subnormais daquela natureza. A dimensão dos trabalhos realizados pôde ser avaliada a partir dos resultados que constam no Quadro 1. O Programa investiu 300 milhões de dólares, dos quais 180 milhões oriundos de empréstimo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com aval da União, e 120 milhões do orçamento da Prefeitura do Rio de Janeiro.

QUADRO I – ÁRVORE DE OBJETIVOS DO PROJETO FAVELA – BAIRRO (PROAP I e II)


Durante a avaliação de impacto do Favela-Bairro, realizada alguns anos depois, os técnicos responsáveis foram visitar os aglomerados subnormais e enfrentaram dificuldades para verificar a sustentabilidade do projeto e para ouvir a opinião dos moradores. Isso porque antigas lideranças comunitárias não foram localizadas, mas e os novos “senhores” da região não permitiam a presença de “estranhos” em “suas” favelas, nas áreas de invasões e palafitas. Quem eram eles? Traficantes de drogas e milicianos. Na Colômbia – onde, como se sabe, consagrou-se o Urbanismo Social –, surgiram programas de peso para combater o poder do narcotráfico em favelas, com procedimentos similares aos do Favela-Bairro e que inspirariam pesquisadores, técnicos, funcionários públicos e políticos de outros países latinos. A vigorosa intervenção do programa de qualificação implantado em Medellín pelo ex-prefeito Sergio Fajardo, segundo Schweizer, partia da

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elaboração de propostas urbanísticas (desenho urbano) para cada favela. O padrão de intervenção adotado na Costa Rica por Peter Schweizer – procedimento descrito adiante – pode servir de inspiração para o PUHAS, em caráter nacional e municipal, sendo necessário para tanto dispor de governança e de gestores públicos comprometidos, assistência técnica de qualidade, participação da comunidade e investimentos financeiros de grande porte. As ações imaginadas corresponderiam a um tipo de intervenção entre D e E, no continuum A-E.

CAPÍTULO III – PROGRAMA DE QUALIFICAÇÃO DE IMÓVEIS PARA HABITAÇÃO SOCIAL

I. TERRITÓRIOS-ALVO, PRIORIDADES E PRÁTICAS ADOTADAS

O Programa de Qualificação de Imóveis para Habitação Social é a segunda variante do PUHAS e tem como inspiração o Movimento Sem Teto do Centro (MSTC), liderado por Carmen Silva, que atua com destaque na área central de São Paulo. A proposta do MSTC é ocupar prédios abandonados, vazios ou ociosos e recuperá-los para oferecer habitação social para famílias e pessoas com até 2 salários mínimos de renda, como consta em documento em que expõe suas características e demandas.

As atividades do MSTC levam em consideração três fatores importantes da urbanização no país:

  1. 1)  O valioso patrimônio imobiliário que permanece ocioso em cidades brasileiras, notadamente edificações importantes localizadas em áreas centrais. Como o aspecto econômico é aqui fundamental, a solução exige normas federais para implementação interfederativa conduzida por prefeituras e entidades locais;

  2. 2)  O déficit habitacional, que atinge mais intensamente famílias de menor renda e de estrato médio, com destaque para jovens e idosos. Nesse caso, o elemento de maior relevância é de natureza social, disso decorrendo a necessidade de ações interfederativas devido a sua dimensão e complexidade. Segundo a Fundação João Pinheiro, o principal componente do déficit habitacional, que em 2019 atingiu 5,9 milhões de domicílios, é representado pelo ônus excessivo com aluguel (situação em que o gasto dessa natureza supera 30% da renda familiar). Em relação à média nacional, tal com- ponente do déficit envolve 3 milhões de domicílios ou 51% do total, e cresce para 61% quando se consideram apenas as regiões metropolitanas. Em alguns estados, como Espírito Santo e São Paulo, e também no Distrito Federal, a contribuição do aluguel excessivamente caro supera 70% do déficit habitacional total;

  3. 3)  O custo de imóveis em áreas urbanizadas, com edificações em áreas centrais sendo sempre mais caras porque o valor do solo urbano segue as leis de mercado, no qual o preço da terra é diretamente proporcional aos níveis de acessibilidade aos serviços e à qualidade urbanística oferecida. Esse custo leva, como já se disse aqui, à expulsão de trabalhadores e profissionais com menor renda para as periferias ur- banas, reforçando as desigualdades urbanísticas. Solucionar esse problema exige a adoção de mudanças na legislação e de programas financeiros interfederativos do poder público.

Vale lembrar que os três fatores afetam um sem-número de grandes cidades mundo afora, caso de Toronto e Nova York, por exemplo, com a diferença de que em ambas há técnicos, legisladores e gestores públicos que promovem a heterogeneidade de renda na tecitura urbana mediante conjuntos habitacionais e apartamentos populares inseridos em áreas de renda média e alta. No caso canadense, os prédios habitacionais, altos e baixos, localizados em regiões privilegiadas, estão plenamente integrados aos serviços da metrópole. Já na urbe americana, cujo déficit habitacional é estimado em 400.000 unidades nas faixas mais baixas de renda, a New York City Housing Authority (NYCHA), empresa municipal, subsidia o aluguel de 177,6 mil apartamentos, em 335 condomínios, onde se estima que vivam mais de 500 mil pessoas, com um total superior a 200 mil famílias na lista de espera. Nos últimos anos, a prefeitura nova-iorquina refez suas politicas para redução das desigualdades no setor de moradia e promoveu o programa Housing New York, destinado à construção ou recuperação de 300 mil unidades privadas de habitações populares. A isso se soma ainda uma legislação que exige prédios habitacionais para classe média com percentual de apartamentos mais baratos, destinados às famílias de menor renda.

II. O PROGRAMA DE QUALIFICAÇÃO DE IMÓVEIS PARA HABITAÇÃO SOCIAL (OU DE SERVIÇO DE MORADIA SOCIAL) DO MSTC-SP

Os três fatores anteriormente listados indicam a necessidade de um programa que, integrado a uma Política Nacional de Habitação (PNH), também promova a ocupação do patrimônio imobiliário disponível em áreas urbanizadas e objeto de demandas de mercado – como ocorre nas regiões centrais das grandes cidades brasileiras, onde empreendedores privados se valem de incentivos que recebem de gestores municipais para recuperar prédios deteriorados em áreas. Por ora, o setor imobiliário domina a recuperação de prédios abandonados e deteriorados, e cabe criar e fortalecer o interesse social para reverter o citado movimento centrífugo gerado por leis de mercado.

Para isso seria necessário implantar um programa juridicamente sólido e financeiramente robusto para que se fortalecessem políticas de interesse social, com práticas que poderiam espelhar as que são adotadas pelo MSTC na capital paulista. O movimento atua focado em um programa de serviço de moradia social baseado no conceito de “parceria público popular, em que o poder público entra com o edifício, com os custos de reforma quando necessária, com a remuneração da entidade da sociedade sem fins lucrativos e, no caso de edifícios privados, com o custo do aluguel; a entidade da sociedade civil responde pela gestão condominial, manutenção do edifício e trabalho técnico social; e os moradores contribuem com os gastos comuns, a fiscalização e controle social”.

Destinado, recorde-se, a atender o déficit habitacional de famílias com até 2 salários mínimos de renda, o programa de prestação do serviço social de moradia do Movimento conduz seus projetos mediante autogestão, denominada de Parceria Público Popular (PPPop), “bancado por meio de recursos públicos e implementado de forma autogestionária pelos próprios moradores organizados em entidades sem fins lucrativos.”

Na qualificação e no uso social de prédios localizados em área urbanizadas, a PPPop teria como vantagem:

“A manutenção da propriedade pública do parque imobiliário; a utilização em larga escala dos imóveis vazios e ociosos, concretizando a função social da propriedade urbana; a transferência de recursos para os moradores organizados em entidades sem fins lucrativos, contribuindo para a economia solidária; e a prestação às famílias beneficiadas de um amplo leque de serviços que, além da moradia, inclui atividades voltadas para sua emancipação e acesso aos demais direitos, como o cadastramento junto aos órgãos de saúde e assistência social, a matrícula da rede escolar, o acesso a creches, o desenvolvimento de atividades de reforço escolar, cursos pré-vestibulares, cursos de capacitação profissional e até atividades culturais,” segundo documento elaborado pelo Movimento.

A adoção desse modelo permite que prédios públicos vazios, reformados ou adapta- dos constituam unidades habitacionais em curtíssimo prazo – sendo o serviço de mora- dia, com gestão condominial, manutenção do edifício e serviço técnico social realizado por entidade da sociedade civil sem fins lucrativos e viabilizado mediante termo de parceria estabelecido de acordo com a Lei no 13.019/2014 (Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil – MROSC).

Para agregar ao Movimento os edifícios públicos abandonados, que se encontram ocupados por movimentos organizados, caberia transformar tais movimentos em entidades da sociedade civil sem fins lucrativos “para que sejam responsáveis também pela execução das obras de melhoria da segurança e das condições de habitabilidade, com o programa de assistência técnica (Lei no 11.888/2008) permitindo prover o necessário apoio para a elaboração dos projetos e acompanhamento das obras”.

Segundo o MSTC-SP, o programa pode incluir imóveis desapropriados para fins de interesse social, tendo como prioridades edifícios e terrenos que “por não cumprirem sua função social de acordo com o Plano Diretor Municipal incidiram nas penalidades

previstas no instrumento do Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios (PEUC) previsto no Estatuto da Cidade (Lei no 10.257/2001)”.

Por último e igualmente importante, o MSTC-SP entende que parcerias do programa com o setor privado permitiriam aos proprietários “alugar seu edifício para o poder público para fins de composição do parque imobiliário destinado ao serviço social de mora- dia. A vantagem para o proprietário, nesse caso, seria a possibilidade de firmar contrato locatício de longa duração e a garantia de manutenção do edifício em condições físicas adequadas, do recebimento dos aluguéis no prazo acertado e do recebimento do imóvel em boas condições ao final do período de locação, uma vez que o contrato é firmado com a Administração Pública”.

III. POTENCIAIS NACIONAIS E LOCAIS DO PROGRAMA DO MSTC-SP

O Programa de Qualificação de Imóveis para Habitação Social praticado pelo MSTC-SP é pontual, de âmbito restrito, cuja adoção a nível de Brasil carece de avaliações sobre os potenciais regionais e sobre o perfil das entidades com capacidade para conduzir projetos nos respectivos municípios. Para isso será necessário avaliar e aperfeiçoar os conceitos e práticas adotados pelo Movimento para adequá-los às exigências de uma política nacional.

Sua inclusão em uma política urbano-habitacional-social, integrada a uma política nacional de habitação, exigirá a consolidação e aperfeiçoamento de conceitos, objetivos e procedimentos, promulgação de leis e normas técnicas, e também um modelo financeiro que permita difundi-lo no heterogêneo cenário brasileiro.

Nessa direção, algumas questões-chaves se apresentam, como a criação de incentivos que favoreçam a qualificação de prédios para fins sociais frente aos que promovem a qualificação de edifícios para fins econômicos. As normas também devem impedir a presença de organizações criminosas que ora dominam núcleos habitacionais em extensas áreas urbanas do Brasil – tarefa difícil, cujo enfrentamento deve se iniciar com o estabelecimento de regras e procedimentos que qualifiquem o acesso aos incentivos criados.

O potencial econômico e social da qualificação de imóveis para habitação social pode ser avaliado a partir de práticas adotadas em São Paulo por ONGs e pelo setor privado. A Ocupação Nove de Julho exemplifica o trabalho do MSTC-SP e a cartografia, disponibilizada por estudantes de Arquitetura da Universidade Anhembi-Morumbi indica edificações localizadas no centro de São Paulo com potenciais para uso social. Os pontos coloridos do MAPA I (ver a seguir) indicam, sem certificação em campo, a localização de imóvel “não edificado”, “não utilizado” e “subutilizado”. A quantidade de edificações apontadas permite sustentar, grosso modo, um robusto programa de qualificação de prédios durante décadas; programa esse que poderá ser expandido para outras áreas da metrópole paulista.

MAPA I – ZONEAMENTO, INFRAESTRUTURA E USO – ÁREA CENTRAL DE SÃO PAULO


A experiência de outros MSTC na ocupação de imóveis abandonados é pouco conhecida. Entende-se que há ou que movimentos similares poderão surgir em outras capitais do país, e exemplo do MSTC carioca, Segundo Manoel Ribeiro, MSTC-RJ realiza um extraordinário trabalho no área central do Rio de Janeiro, e ressalta: “Temos um grande obstáculo que é a propriedade dos prédios” visto que, na Constituição Federal, o “’direito à cidade e à moradia’ é absoluto e o ‘direito de propriedade’ é relativizado pelo ’uso social’”. Abaixo, a estrutura administrativa do MSTC carioca, que sustenta sua ação programática:


Em síntese: as práticas observadas no centro de São Paulo e do Rio de Janeiro oferecem um consistente programa de atividades, o qual poderá ser expandido em nível nacional a partir de um Programa de Qualificação de Imóveis para Habitação Social incorporado ao PUHAS.

CAPÍTULO IV – PRODUÇÃO DE MORADIAS POR AUTOGESTÃO E SERVIÇOS URBANOS

A produção de moradia por autogestão constitui prática não só disseminada ao longo do tempo no país como também é recomendada em inúmeros textos sobre habitação e es- teve no radar do BNH e do PMCMV. Entretanto, é carente de marcos legislativos e de financiamentos mais sólidos. No Brasil atual, a União Nacional por Moradia Popular (UNMP), coordenada por Evaniza Rodrigues, defende tal iniciativa, sob o comando de associações e cooperativas, como uma espécie de contraponto à indústria da construção civil.

A cogestão, em regime de ajuda comunitária (autoajuda e ajuda mútua combinados), foi o modelo adotado pelo presidente Oscar Arias Sanchez no Plan Nacional de Vivienda de Costa Rica (2006-2010) e resultou na construção de 82 mil casas em todo o país. Em território nacional, mais recentemente a autogestão recebeu apoio do governo que, em resposta às pressões sociais, abarcou o modelo por meio do Programa Crédito Solidário e do Minha Casa, Minha Vida – Entidades, subconta da FAIXA 1 do PMCMV.

Por ora, a participação da autogestão na política habitacional brasileira mantém-se residual; está presente em programas de requalificação e recuperação de prédios e áreas deterioradas, com bons resultados em projetos realizados em São Paulo. Dada a carência de recursos e ao estágio em que se encontra, é pequeno o número de unidades produzi- das nesse modelo, ao mesmo tempo em que iniciativas para fortalecer a capacidade de gestão das associações e cooperativas são pouco difundidas. Isso indica a necessidade de uma política efetiva de estimulo e apoio às entidades que atuam no setor.

Para consolidar procedimentos de autogestão, a UNMP elaborou uma proposta de projeto de lei para a criação do Programa Nacional de Moradia por Autogestão, cuja população-alvo seriam famílias com renda mensal de até R$ 6.000,00 e as residentes em áreas rurais com renda anual de até R$ 72.000,00. Segundo o Programa, a autogestão é entendida como “processo em que a habitação assume seu papel de meio de vivência e de construção social, por meio de arranjos associativos em que os futuros moradores cuidam de todo o processo de planejamento e construção dos empreendimentos. Trata-se de modelo em que, efetivamente, tem-se o cumprimento da função social da propriedade, em que a participação social e o exercício da cidadania são seus pontos focais”.

O programa de moradia por autogestão imaginado pela UNMP constitui uma, “variante” do PUHAS porque adota a habitação como um dos “equipamentos comunitários” que, ao lado de “equipamentos comerciais” constitui o habitat urbano. Os equipamentos comunitários, por sua vez, correspondem às “edificações ou obras complementares à habitação e destinados a saúde, educação, segurança, desporto, lazer, convivência comunitária, geração de trabalho e renda, assistência à infância, ao idoso, à pessoa com deficiência ou necessidades especiais ou à mulher, assistência técnica e extensão rural”.

A prática envolve um procedimento social comunitário, que pode ser instrumento auto- gestionário em programas de favelas e projetos de requalificação de prédios e ocupação de imóveis urbanos. Isso porque o associativismo e o cooperativismo da autogestão e da ajuda mútua fortalecem “o protagonismo da população na solução dos seus problemas habitacionais, em consonância com as necessidades e os usos e costumes locais”, como destaca a minuta da legislação enviada ao Congresso Nacional, a qual propõe que nas políticas habitacionais por autogestão sejam incluídos os processos de “construção, reforma, melhoria, urbanização, requalificação habitacional ou regularização fundiária de Interesse Social (Reurb–S)”.

Na promoção do habitat urbano por autogestão pressupõe-se que “associados, organizados em associações sem finalidades lucrativas ou cooperativas de produção com com- provada atuação no âmbito da política habitacional, e com auxílio de assessoria técnica, controlariam as etapas de concepção, planejamento, desenvolvimento e execução dos projetos habitacionais e do trabalho social, exercendo todas a atividades de administração da obra e de definição da forma de organização da pós-ocupação, no meio urbano e rural”.

O sistema de propriedade coletiva seria obrigatório em todo empreendimento habitacional, com registro em nome dos participantes e da entidade promotora, “sendo exclusiva dessa última o poder de dispor e reaver as unidades habitacionais”, assim como a

«transferência do direito de propriedade do associado titular de unidade disponibilizada no âmbito do Programa Nacional de Moradia por Autogestão dependerá da anuência da entidade promotora do empreendimento, por meio de decisão tomada em assembleia geral, dispensada a anuência ou cientificação dos demais proprietários coletivos.”

Para suprir a possível falta de conhecimentos técnicos-construtivos dos membros das associações, a proposta de lei prevê o apoio de equipes de assessoria multidisciplinar, com os profissionais trabalhando como pessoas físicas na elaboração de “estudos preliminares de viabilidade jurídica, financeira, de arquitetura e de engenharia de futuros empreendimentos habitacionais.”

Os recursos financeiros para produção de habitações seriam obtidos a partir da “contribuição associativa” — valor esse pago por associados para “custeio do funcionamento” de associações e sociedades cooperativas dessas entidades, assim como “contrapartida financeira”, de responsabilidade do associado, necessária para a realização de “estudos, projetos e demais serviços ou obras não cobertos pelo financiamento público”.

O perfil do programa ora proposto poderia ser mesclado com o projeto adotado na Costa Rica onde, como se disse antes, a população-alvo foram as famílias com renda de 1 a 4 salários mínimos que, sem maior capacidade de poupança, ajudaram a implantar, como acentua Schweizer:

  • Programa de urbanização básica para gerar terrenos (lotes) destinados a receber as habitações (...) para promover o adensamento de construções em áreas urbanas vazias e em terrenos especulativamente ociosos;

  • Programa para a construção de casas populares por autoconstrução destinados às comunidades organizadas (cooperativas, sindicatos, ONGs e outras), com famílias e comunidades aportando mão de obra e recebendo assistência técnica de engenheiros, arquitetos e mestres de obra durante a construção. Os terrenos e materiais de construção, quando não doados pelas prefeituras, receberiam financiamento com longo período (5 anos por exemplo) de carência”.

    Dos três subprogramas que integram o PUHAS, o Produção de Moradias por Autogestão e Serviços Urbanos é o menos consolidado e cabe, por ora, avaliar experiências antes de definir o formato de projeto interfederativo sustentável, descentralizado e dotado de clara indicação das responsabilidades de cada um dos agentes que participariam em sua implantação.

    CAPITULO V – ALÉM DO PUHAS

    I. PROGRAMA PARA OS QUE ASCENDEM DO PUHAS

    Os três componentes (subprogramas) do PUHAS têm como propósito melhorar a qualidade do habitat urbano habitacional, em especial das famílias que vivem na pobreza absoluta, na miséria ou com até 2 ou 3 salários mínimos. Porém, para que a população beneficiada pelo PUHAS ascenda social e economicamente no território urbano, e não fique acomodada nas condições de apoio subsidiado que o programa oferece, é necessário ampliar as propostas de financiamento para que atinjam famílias com renda até 8 ou 9 salários mínimos e jovens que ascendem no mercado de trabalho.

    Esse segundo patamar de demandas por habitat social urbano envolve valores, fundamentos e procedimentos, que são diferentes daqueles pensados originalmente para o PUHAS, têm importância porque o novo leque corresponde às expectativas e às condições observadas em um segmento da sociedade do mesmo modo desejoso de habitat urbano e ambiental com padrões mínimos de qualidade. Não cabe aqui tratar dos quesitos dessa segunda camada de demanda por habitat social urbano, contudo é importante considerar o seu papel no processo de ascensão urbano-social de famílias beneficiadas pelo PUHAS.

    Uma política urbano-habitacional que atenda tal estrato populacional deverá valer-se das características de planos diretores, seja na densificação das áreas centrais de cidades e de bairros como também na verticalização ao longo de corredores e no entorno de terminais de transporte público e de centros comerciais e de serviços. Poderá também fomentar tributação compatível com as condições dos que integram o segundo nível de demanda por habitação social mediante programas de financiamento para aluguel ou aquisição de moradias compatíveis com as necessidades das famílias e de jovens cujos heterogêneos hábitos e condições financeiras diferem daqueles que integram o PUHAS.

II. ALUGUEL SOCIAL

Na avaliação do tema habitação social e urbanização vinculada existem questões que não integram ou ultrapassam os problemas antes abordados, mas que não podem ser ignorados, tais como o aluguel social. Isso porque o objetivo de programas habitacionais no Brasil tem sido o de financiar a aquisição do imóvel. A demanda de pessoas de baixa renda por imóveis para alugar não é devidamente investigada e programas sociais de apoio ao aluguel de moradias não fazem parte das políticas habitacionais adotadas no país. Dessa maneira, famílias sem renda suficiente para pagar empréstimos do sistema habitacional, lucrativos ou não para os proprietários, não recebem apoio do poder público.

Uma razão invocada para essa omissão é a de que tal coisa traria benefícios financeiros para o tomador particular (pessoa física, empresa, cooperativa etc.) a partir de aluguel pago segundo valores de mercado – o que corresponderia a oferecer recursos públicos subsidiados para sustentar o lucro do investidor privado. A alternativa de empresas públicas administrarem empréstimos sociais para oferecer habitações com aluguel por valor subsidiado não parece ser viável devido aos procedimentos da cultura político-administrativa que predominam no Brasil. Há, portanto, um impasse sobre o aluguel social: se o tomador é pessoa física ou empresa privada, se o recurso destinado a um objetivo social será usado para gerar renda ao tomador particular; se o tomador for empresa ou entidade pública, qual a probabilidade de obter resultados sustentáveis com gestão de qualidade?

Ora, frente às experiências de países europeus sobretudo, esse assunto precisa ser avaliado a partir de demandas e comportamento da população com menor renda, do interesse de empresários imobiliários e da construção civil e, ainda, do sistema financeiro público e privado. Poder-se-ia imaginar, em princípio, que a simples transferência de renda para essas famílias resultaria na solução do problema do ônus excessivo com o aluguel, entretanto isso, provavelmente, geraria uma elevação dos valores exigidos pela locação, resultando em uma apropriação dos recursos públicos pelos proprietários e um pequeno impacto na resolução da necessidade habitacional.

(No “Apêndice” deste documento o assunto é retomado, com considerações surgi- das também nos encontros realizados para a montagem da Agenda Social e uma série de recomendações.)

CAPÍTULO VI – GESTÃO, GOVERNANÇA E FINANCIAMENTO

I. GESTÃO ADMINISTRATIVA E GOVERNANÇA

Como tem sido dito, o PUHAS aqui esboçado é de natureza interfederativa (União, estados e municípios), descentralizado e participativo, e dotado de três componentes programáticos: (i) qualificação de favelas e palafitas, (ii) recuperação de prédios para fins habitacionais e (iii) produção de moradias por autogestão.

A estrutura interfederativa adota normas e diretrizes administrativas, programáticas e financeiras, segundo o nível de responsabilidade de cada esfera de governo. Tudo isso com o objetivo de estabelecer os fundamentos e linhas mestras do programa com clareza e precisão; descentralizar normas e execuções para que sejam atendidas as peculiaridades de cada estado e metrópole e, em outro nível, de municípios e organizações sociais. Para tanto, haverá apoio técnico que supra as carências regionais e incorpore universidades e centros técnicos e de pesquisa no programa. A estrutura financeira terá normas gerais sobre origem e aplicação de recursos definidas a nível nacional, porém com a flexibilidade que o heterogêneo setor público brasileiro exige e espaço para que cada município possa adotar os instrumentos administrativos e os mecanismos financeiros que julgar conveniente. Para isso o PUHAS criará instrumentos para reforçar as finanças municipais e incentivará o uso daqueles já previstos no Estatuto da Cidade e no Estatuto da Metrópole.

Com o objetivo de alcançar a desejada descentralização, estados e entidades metropolitanas terão autonomia para estabelecer normas complementares às da União; a mesma coisa no que se refere aos municípios em relação à União e ao respectivo estado, quando e se for o caso. Estados, entidades metropolitanas, municípios e organizações sociais passarão a integrar o PUHAS sempre que a falta de manifestação do concedente superar 60 dias úteis, contados a partir da solicitação do interessado responsável e não houver nada em contrário.

A população-alvo do programa são famílias que ocupam assentamentos subnormais identificados pelo IBGE e aquelas incluídas em programas de Recuperação de Prédios Deteriorados e de Moradias por Autogestão.

A União coordenará e avaliará as ações de estados, entidades metropolitanas, municípios e organizações sociais mediante normas e regulamentos de natureza geral, assim como oferecerá o apoio técnico e financeiro, dentro de suas possibilidades. O órgão federal gestor do PUHAS estabelecerá regras e procedimentos que estimulem a implantação e a obtenção de resultados objeto do programa, com apoio técnico oferecido por programas específicos e com recursos financeiros obtidos mediante doação ou empréstimos, subsidiados ou não, e disponibilizados em subcontas de um fundo destinado a esse fim.

As fontes de recursos financeiros serão os respectivos orçamentos da União, de esta- dos e de municípios; fundos de instituições bancárias, empréstimos disponíveis no sistema financeiro público e privado de entidades nacionais ou estrangeiras, além de taxas/ tributos/impostos vinculados ao programa, como abaixo indicado.

A coordenação administrativa e financeira do PUHAS será exercida pela Agência Nacional de Urbanização (ANURB), criada nos moldes e com competências similares às da Agencia Nacional das Águas (ANA).

Para fortalecer a autonomia dos entes federativos prevê-se que estados e municípios poderão atuar isoladamente ou se associarem de maneira livre, a fim de estabelecerem sistemas de gestão e definir normas que correspondam às suas competências na governança do PrIUHS.

II. SISTEMA E GESTÃO FINANCEIRA

A gestão administrativa, normativa e financeira das três linhas de atuação do programa será exercida pela Agência Nacional de Urbanização (ANURB) a partir da aplicação dos recursos de um fundo de investimentos com subcontas para cada um dos três eixos centrais de ação do programa e outra para atividades comuns. As subcontas do sistema financeiro do PrIUHS terão estas destinações:

  1. Programa de Recuperação de Favelas e Palafitas caracterizadas pelo IBGE segundo categorias de qualificação de assentamentos subnormais;

  2. Programa de Requalificação de Imóveis para Habitação Social, segundo categorias de intervenção e localização em cada cidade;

  3. Programa Nacional de Produção de Moradia por Autogestão;

  4. Programa de Apoio Técnico-Administrativo e Tecnológico.

O uso de subcontas em fundos financeiros é prática adotada na gestão federal desde o século passado e o PUHAS contará com quatro subcontas no Fundo PUHAS de Investi- mentos (PUHAS Investimentos).

Quando implantado o programa, caberá à Agência Nacional de Urbanização definir as normas e os procedimentos que serão adotados no PUHAS Investimentos.

Dotações orçamentárias e financiamentos da União, estados e municípios deverão constituir a fonte financeira mais importante do fundo, cabendo ao governo federal disponibilizar recursos para o PUHAS seja um instrumentos para redução das disparidades regionais, combate à pobreza absoluta e às disparidades intra-urbanas, além, claro, de oferta de habitat minimamente adequado. Para isso o PUHAS Investimentos contará com:

Percentual mínimo (a ser definido) de recursos do FGTS, administrado pela CAIXA (Caixa Econômica Federal), observado o disposto na Lei no 8.036, de 11 de maio de 1990;

  • Percentual mínimo (a ser definido) de recursos aplicados para fins sociais pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e administrado pelo BNDES;

  • Garantias para empréstimos obtidos por entidades que participam do programa junto ao sistema financeiro nacional ou estrangeiro, público ou privado, com os recursos devendo ser depositados e administrados em conta específica e particular da entidade tomadora do empréstimo, porém integrada às normas e procedimentos do PrIUHS Investimentos;

  • Recursos do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS) de que trata a Lei no 8.677, de 13 de julho de 1993;

  • Recursos do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), observado o disposto na Lei no 11.124, de 16 de junho de 2005.

    Outras possíveis fontes financeiras seriam:

    • Doações de qualquer origem e natureza, nacionais ou estrangeiras, particulares ou privadas;

    • Aporte de estados e municípios que, de forma independente ou em conjunto, captem recursos em origem nacional ou estrangeira, pública ou privada, para aplicação no programa, atendidas as normas e exigências da União;

    • Pagamento de empréstimos concedidos pelo PUHAS;

    • Recursos de natureza vária destinados à implementação do programa.

      União, estados, municípios e o Distrito Federal podem fortalecer sua capacidade de investimentos mediante aportes definidos por parlamentares e vindos de outras fontes financeiras, concessão de créditos tributários e benefícios fiscais, disponibilização de bens, de serviços economicamente mensuráveis e de assistência técnica.

      As normas do PUHAS deverão estabelecer procedimentos gerais quanto ao pagamento obrigatório de aluguéis por inquilinos e empréstimos financeiros por instituições, adotando custos diferenciados segundo os objetivos, níveis de renda familiar, IDH e renda média estadual ou regional.

      III. INSTRUMENTOS NORMATIVOS E FINANCEIROS MUNICIPAIS

      Para que o PUHAS seja implantado de forma descentralizada e corresponda às condições locais, caberá aos municípios, ao Distrito Federal e às entidades metropolitanas assumir a liderança do programa. Para isso, irão se valer da legislação federal e do sistema financeiro, tal como indicado anteriormente, e também de:

Instrumentos Disponíveis nos Estatutos da Cidade e da Metrópole, pouco utilizados por prefeituras e órgãos metropolitanos, os de maior facilidade de aplicação sendo: (i)

outorga onerosa do direito de construir, que permite ao município estabelecer relação entre a área edificável e a área do terreno. A autorização para construir acima do limite edificável passaria a ser de forma onerosa ou a partir de transferência do direito de construir obtido em outra região da cidade, sendo necessário para tanto dispor de lei municipal (plano diretor) que estabeleça as condições de uso desse instrumento, o qual poderá estar associado à alteração de uso do imóvel para melhor atender aos objetivos urbano-habitacionais; (ii) direito de superfície, a partir do qual o proprietário de terreno urbano concede o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo de seu terreno por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública firmada em cartório de registro de imóveis; (iii) desapropriação, segundo a qual o direito de propriedade sobre determinado lote ou edificação passa ao patrimônio da entidade expropriante; além das limitações administrativas que atendem interesses difusos e as zonas de interesse social (ZEIS) já citadas, vale lembrar as (iv) operações urbanas consorciadas, mediante as quais o poder público municipal cria consórcio, em que participam “proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados” com “o objetivo de alcançar em uma área (constante no plano diretor) transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental”;

Tributo Imobiliário próprio, a ser instituído na legislação federal de criação do PUHAS para ser operacionalizado por municípios. O tributo recairá sobre proprietários ou construtores de prédios habitacionais cujo custo exceda o valor, por exemplo, de 850 vezes – e cumpre fazer simulações em todo o Brasil antes de definir esse numeral – o maior salário mínimo vigente no país. Dispositivo legal semelhante constou da lei de criação do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), nos anos 60, para fortalecer os investimentos de prefeituras no habitat urbano; agora, todavia, seria obrigatório e condição sine qua non para que o município ou DF integrem o PUHAS e recebam apoio do estado e da União;

  • Avaliação de terras e prédios públicos, abandonados ou devolutos, dentre outros, da União, estados, DF e municípios, de acordo com normas definidas pela Agência coordenadora, que obriguem sua cessão para atender objetivos do PUHAS segundo categorias de potenciais, características e usos;

  • Isenção de impostos e tributos sobre bens e serviços utilizados no programa;

  • Leis e normas federais de fomento à participação de estudantes universitários e profissionais liberais a partir de programas conduzidos por entidades de classe

    (OAB, IAB, CAU) e orientados para a função social da ciência e do saber acadêmico, com ênfase no campo da engenharia, arquitetura e urbanismo, economia, direito urbanístico, assistência social, medicina e educação.

    A definição dos tipos de desembolsos feitos pelo PUHAS Investimentos e as isenções tributárias possíveis deverá ser compatível com cada eixo de atividade (subprograma) indicado. No Programa Nacional de Moradia por Autogestão, por exemplo, o investimento da operação poderá incluir:

  • aquisição de terreno para implementação do empreendimento habitacional;

  • elaboração de estudos preliminares, levantamentos e projetos necessários à execução do empreendimento;

  • custos relacionadas à obtenção de licenciamentos e de legalização do empreendimento;

  • assessoria jurídica e contábil;

  • construção habitacional;

  • aquisição de imóveis para requalificação;

  • obras de urbanização e de infraestrutura;

  • construção de equipamentos comunitários e equipamentos comerciais;

  • trabalho técnico social, de assessoria técnica e de administração da obra;

  • reurbanização de interesse social;

  • contrapartidas ambientais.

    CAPÍTULO VII – PROGRAMA DE APOIO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO E TECNOLÓGICO

    O apoio técnico-administrativo e a capacitação de recursos humanos é fundamental para que o PUHAS alcance seus objetivos. As duas iniciativas abrangem amplo escopo de atividades heterogêneas e de natureza multiprofissional nas escalas comunitária, urbana e regional. A importância do apoio técnico, capacitação administrativa e adoção de tecnologias adequadas fica evidente quando se consideram experiências no Brasil e em outros países latino-americanos, bem como estudos e relatórios de entidades internacionais, como o UN-HABITAT.

    O tema deverá ser incluído nas normas gerais do PUHAS e adequado às demandas especificas de estados, municípios, DF e comunidades. No entanto, devido à sua complexidade e heterogeneidade, por ora não cabe — melhor dito: não é possível nem adequado – aprofundar o debate sobre o assunto. O que vale destacar são alguns tópicos gerais, tais como:

  • Inclusão de estágio mínimo obrigatório em currículos de cursos de formação técnica e qualificação universitária;

  • Integração de estudantes universitários e profissionais liberais nas atividades do PrIUHS;

  • Programa de Formação Profissional para operários da construção civil durante a execução de obras urbanas e habitacionais. O apoio seria oferecido por instrutores

do SENAI, por instituições de ensino profissionalizante e universitário, e poderia incluir o auxílio a famílias na construção de suas casas;.

Programa de Produção de Materiais de Construção, com membros de cada comunidade participando da fabricação de componentes das edificações, como tijolos e telhas de barro, portais e janelas, com uso de recicláveis e produção de “kits” elétricos e sanitários para cada habitação. A qualificação profissional gerada pelo programa irá melhorar a renda familiar assim como a possível produção de bens para uso em outras favelas. Com isso, o PUHAS fortalecerá a cidadania, o capital social da comunidade e a capacitação profissional de cada um.

No que concerne às tecnologias, a proposta é oferecer aquelas que atendam às de- mandas alimentares, de segurança, de serviços de saneamento, de destinação dos resíduos sólidos, de geração de energia etc., na escala de cada favela. Em outro nível está a demanda por tecnologias atuais, como a de informação e comunicação (TIC), que é objeto do Programa Cidades Inteligentes do governo federal, o qual prevê serviços de internet em áreas ocupadas por favelas.

Os dois níveis tecnológicos são igualmente importantes para o sucesso do PUHAS, como sugere o impacto da covid-19 nos conglomerados subnormais. Para fortalecer o uso de TIC em áreas carentes caberia elaborar um programa nacional de apoio e incentivo à criação e utilização de plataformas e aplicativos orientados para oferta e gestão de um habitat urbano-habitacional-ambiental inteligente, a fim de incrementar práticas adotadas no programa, à semelhança daquilo que o SUS vem fazendo em suas atividades.

CAPÍTULO VIII – CONCLUSÃO

Com mais de 85% de sua população morando em cidades, o Brasil não tem políticas públicas consistentes destinadas a organizar e fortalecer seus sistemas urbanos e qualificar suas urbes. Com um enorme contingente de brasileiros cuja renda não ultrapassa 2 salários mínimos vivendo nas cidades em áreas sem condições mínimas de habitabilidade, o país também se recente de políticas públicas capazes de promover a melhoria das moradias e de seu entorno urbano.

A ausência do Estado na qualificação do território urbanizado fortalece e agrava as enormes disparidades socioeconômicas e culturais da sociedade brasileira. Daí a urgência de uma proposta como a apresentada no presente documento, sugerindo a implementação do PUHAS.

O texto, como se pôde verificar, reúne conceitos, experiências — do passado e do presente, nacionais e estrangeiras – para fundamentar proposições que constituem a essência do programa integrado por três vertentes de atividades. Trata-se, aqui, de um esboço preliminar, que pode servir de contribuição a uma Agenda Social Mínima e Urgente para ajudar a superar a miserável condição urbana dos que vivem em mais de 5 milhões de domicílios no Brasil.

ANEXO – OBJETIVOS GERAIS E OBJETIVOS ESPECÍFICOS
I. OBJETIVOS:

Os objetivos a serem alcançados pelo PUHAS são de natureza geral e específica.

I.a. OBJETIVOS GERAIS

  1. reduzir o déficit habitacional de famílias com baixo estrato de renda em áreas urbanas;

  2. qualificar as condições urbanas em áreas periféricas e favelas bem como em áreas

    urbanizadas e centrais;

  3. fortalecer o “pertencimento” de cada cidadão/morador;

  4. fazer do processo de construção de habitações populares um instrumento de pro-

    moção da educação, individual e comunal, através de projetos de autoconstrução (ajuda mútua coletiva e autoajuda individual) que estimulem o aprendizado de grupos humanos sobre a conquista e o exercício da cidadania;

  5. introduzir no processo de autoconstrução da habitação popular a componente de formação profissional para que um maior número de pessoas possa desenvolver capacidades no campo da construção civil;

  6. promover no processo de produção de casas para os mais pobres um estímulo à geração de microempresários na fabricação de materiais de construção básicos, tais como tijolos e telhas;

  7. considerar que os dois problemas básicos da produção de habitações por auto- construção se referem à aquisição de terrenos e de materiais de construção, que podem ser doados ou financiados conforme o caso;

  8. entender que a assistência técnica de arquitetos, engenheiros e mestres de obra em projetos por autoconstrução devem se responsabilidade governamental.

I.b. OBJETIVOS ESPECÍFICOS

  1. Qualificar aglomerados subnormais (favelas, palafitas) em áreas urbanas;

  2. Promover a ocupação ordenada e integrada de atividades urbanas nas periferias;

  3. Estimular governos municipais a criar bancos de terras para programas habitacionais destinados aos mais pobres, no meio urbano e rural; 37

  1. Estimular que as casas produzidas a partir do presente programa possuam painéis solares para geração de energia própria para cada família;

  2. Promover ou fortalecer as cooperativas habitacionais populares a fim de que se tornem entidades jurídicas para a contratação de projetos de produção de casas por autoconstrução;

  3. Promover o adensamento e fortalecer o tecido urbano em áreas centrais.

APÊNDICE

RECOMENDAÇÕES, A TÍTULO DE CONTRIBUIÇÃO ADICIONAL PARA O DE- BATE SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS HABITACIONAIS

Composição do déficit de moradia

Segundo estudo da Fundação João Pinheiro (FJP, 2021)p. 71, 2021.”,”type”:”article-journal”},”uris”:[“http://www.mendeley.com/documents/?uuid=eb5fc8bf-f48c-41dc-9b62-af- c79598750b”]}],”mendeley”:{“formattedCitation”:”(FJP, 2021, o déficit habitacional em 2019 era de 5.876.699 unidades habitacionais. Esse total está distribuído em três tipos:

a) Habitação precária demandando 1.482.585 unidades (25,2%) e subdividido em a.1) Domicílios rústicos: 696.849 unidades (11,9%);
a.2) Domicílios improvisados: 785.736 unidades (13,4%)

b) Coabitação demandando 1.358.374 unidades (23,1%), subdividida em: b.1) Unidades domésticas conviventes: 1.261.407 unidades (21,5%) b.2) Domicílios cômodos: 96.968 unidades (1,7%)

c) Ônus excessivo com aluguel: 3.035.739 unidades (51,7%)

Tanto a distribuição territorial entre as diversas regiões e entre os distintos tamanhos de cidades quanto o perfil socioeconômico nos diferentes territórios, bem como a dinâmica dos diversos tipos de déficit, indicam a necessidade de políticas diversas a serem adotadas em relação a cada um.

Adicionalmente, é necessário considerar que a metade do déficit composto por ônus excessivo no aluguel é pouco afetada pelas políticas setoriais, como a de saneamento ou coleta de resíduos sólidos, às quais podem, inclusive, resultar na sua elevação em função da valorização de áreas com melhor infraestrutura. Também relevante é o fato de que parte significativa das famílias afetadas por essa categoria do déficit se encontra na faixa de 1 a 3 salários mínimos e tem participação expressiva nas outras faixas superiores, enquanto nas demais categorias a distribuição se concentra principalmente na faixa até 1 salário mínimo.

Em termos de tendências gerais, as categorias a e b têm se mantido estáveis, inclusive apresentando leve tendência ao decréscimo, o qual, quando se considera o aumento da população, indica algum avanço, ainda que limitado, das políticas existentes. O déficit na categoria c, por sua vez, tem mostrado tendência de crescimento, provavelmente em função do ambiente macroeconômico recessivo.

Não existem ainda dados disponíveis quanto ao período da pandemia, porém é razoável supor que a elevação dos níveis de desemprego, redução da atividade econômica e acirramento do ambiente recessivo tenham impulsionado o déficit do tipo c. Apesar da redução de receitas e maior demanda desses recursos em outras áreas, os déficits do tipo a tendem a decrescer, em particular com a aprovação do Marco Regulatório do Saneamento, que deve ampliar a oferta de recursos para investimentos no setor, cuja carência é a maior fonte de inadequação nesta categoria.

Marcos regulatórios

O principal documento regulatório da política urbana em termos nacionais é o Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001), o qual define parâmetros, instrumentos e exigências mínimas delimitando as políticas urbanísticas, uma atribuição constitucional dos municípios.

Em relação à moradia, o principal referencial legal é a Lei 11.124/2005 (BRASIL, 2005a), que estabelece as diretrizes gerais para uma política de habitação de interesse social no país, criando também um fundo específico para financiamento dessa política e mecanismos de governança, com representação majoritária da sociedade civil e participação de todos os setores, através do Conselho das Cidades, com representantes eleitos por seus pares nas conferências municipais e estaduais. Além disso, tem representação interfederativa, integrando União, Estados, Municípios e Distrito Federal, e vários ministérios e outros órgãos com atuação direta na área.

As possibilidades de aprimoramento desse instrumento já existente e funcional – com a ampliação dos mecanismos de governança, revisão conceitual e acréscimo de outras fontes de recursos, melhora da eficiência/eficácia das políticas implementadas e aprimoramento da accountability, à luz da experiência acumulada de seu funcionamento e dos resultados obtidos – seria um eixo central do aperfeiçoamento das atuais políticas existentes e base para a criação de outras.

Em particular, é preciso considerar, em termos de governança, a necessidade de consolidação em lei da estrutura, composição e forma de indicação do Conselho das Cidades, visto que no quadro atual ele é definido por decreto (BRASIL, 2006), o qual sofreu significativa modificação em 2017 (BRASIL, 2017a), revelando a fragilidade de tal tipo de regulamentação.

Assim, a formulação de políticas relativas à redução do déficit habitacional no país poderia partir do aprimoramento dessa legislação de modo a permitir que os colegiados

nela previstos pudesse ter melhor definidos os seus papéis de formuladores, gestores, avaliadores e controladores dessas políticas, segundo indicadores de desempenho estabelecidos para garantir melhor accountability quanto aos resultados e impactos e, a partir deles, definir critérios objetivos para alocar recursos de forma mais eficiente e eficaz.

Em relação à política específica de moradia também são relevantes as leis que criaram o Programa Casa Verde Amarela (BRASIL, 2021) e os dispositivos restantes do Programa Minha Casa Minha Vida (BRASIL, 2009), ainda que parte significativa dele tenha sido revogada posteriormente.

Com grande impacto em termos do déficit relacionado à habitação precária, a nova lei da regularização fundiária (BRASIL, 2017b) também é um importante marco regulatório, ainda que alguns dos seus instrumentos dependam de regulamentação a nível municipal.

Em termos de políticas setoriais relacionadas diretamente com a questão da moradia, por tratarem da Infraestrutura Primária, é importante citar:

  1. a)  o já mencionado Marco Regulatório do Saneamento Básico, tanto na forma das diretrizes originais (BRASIL, 2007) como de sua atualização recente, complementando a legislação anterior (BRASIL, 2020), em especial quanto a seu potencial de reduzir o déficit relativo a habitações precárias, bem como a implantação de infraestrutura em novas unidades.

  2. b)  a Política de Mobilidade (BRASIL, 2012a), essencial para a qualificação das unidades habitacionais e a integração entre locais de moradia, trabalho, estudo e lazer;

  3. c)  a Política Nacional de Resíduos Sólidos (BRASIL, 2010), inclusive porque também é um dos elementos que definem a habitação precária e cujo atendimento deve estar contemplado em expansão do número de unidades;

  4. d)  a Política Nacional de Defesa Civil (BRASIL, 2012b), a qual é bastante relevante quanto a habitações em áreas de risco.

Em relação aos instrumentos de Governança Interfederativa, os quais são relevantes para enfrentar as questões de moradia tanto nas áreas metropolitanas, nas quais há a necessidade de articulação e coordenação de políticas, quanto nos municípios mais pobres, onde é necessário conjugar recursos para a implementação de políticas conjuntas, deve-se destacar:

  1. a)  A regulamentação dos Consórcios Intermunicipais e outros consórcios públicos (BRASIL, 2005b);

  2. b)  O Estatuto da Metrópole (BRASIL, 2015a).

Todavia, é necessário lembrar que os elementos essenciais de regulação da política urbana estão contidos nas legislações municipais – Plano Diretor, Lei de Uso e Ocupação do Solo, legislação edilícia e outros instrumentos –, em função das atribuições constitucionais distribuídas a cada ente federativo. Em acréscimo a isso, registre-se que em algumas regiões metropolitanas é possível também a existência de um Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado, instrumento criado pelo Estatuto da Metrópole (BRASIL, 2015b).

Necessidade de aprimoramentos conceituais

A análise conceitual dos instrumentos reguladores e das políticas adotadas, inclusive em relação ao levantamento do déficit habitacional, revela ser necessário um esforço para a atualização dos conceitos que vêm guiando tal política à luz do conhecimento acumulado ao longo das mais de duas décadas que separam o Estatuto da Cidade, documento central da Política Urbana, da situação atual. Sem que se pretenda uma enumeração exaustiva dos conceitos a serem revisados, apresentam-se nos pontos seguintes algumas das principais reavaliações propostas, as quais se devem levar em conta no conjunto de propostas oferecidas.

De Serviços Básicos de Habitação ao Direito à Moradia e à Cidade

O déficit habitacional diz respeito ao “direito de acesso, por parte da população, a um conjunto de serviços habitacionais que sejam, pelo menos, básicos” (FJP, 2021)p. 71, 2021.”,”type”:”article-journal”},”uris”:[“http://www.mendeley.com/documents/?uuid=e-b5fc8bf-f48c-41dc 9b62afc79598750b”]}],”mendeley”:{“formattedCitation”:”(FJP, 2021. Em que pese o fato de mesmo nesse nível básico de atendimento já existirem enormes dificuldades em produzir soluções com impacto significativo no indicador, uma com- preensão mais ampla de acesso em maior sintonia com uma concepção moderna de Direito à Moradia e Direito à Cidade que vá além da infraestrutura primária e condições da habitação tem relevância na medida em que há potencial para reduzir a necessidade de investimentos futuros em infraestrutura, especialmente de mobilidade, e equipamentos públicos, assim como reduzir a ociosidade do que já existe. Isso, para não falar do significativo impacto na qualidade de vida da população apenas pela redução do tempo de deslocamento – que, nos grandes centros urbanos, pode chegar a mais de 4 horas – e pela possibilidade de acessar equipamentos públicos.

Articulação e governança para integração das políticas setoriais

Apesar da existência de várias políticas setoriais, inclusive com bons resultados, não há mecanismo eficiente de articulação entre elas e em especial entre as de infraestrutura primária e a de gestão urbana. Essa ausência reflete-se nas três esferas de governo, as- sim como nas relações interfederativas que as envolve, gerando superposição ou mesmo conflito de diretrizes, o pouco uso de recursos, a sobrealocação de recursos para tarefas de planejamento e administração que poderiam ser compartilhadas, e a falta de sincronia entre ações que poderiam ter melhor sinergia, entre outros pontos.

Inclusão de geração de trabalho e renda e fomento ao empreendedorismo

A concepção do grande conjunto habitacional, distante das centralidades existentes e com limitações para criar sua própria centralidade, está definitivamente ultrapassada. É necessário que não só os programas de regularização e reurbanização considerem o es- paço para usos terciários – com atenção voltada para os negócios lá estabelecidos antes da regularização/reurbanização e também para os novos empreendimentos, capazes de gerar emprego e renda endógenos.

Além dessas políticas que potencializam o papel indutor de empreendimentos habitacionais é necessário também buscar políticas complementares – como microcrédito e capacitação –, que possam amplificar e consolidar esses efeitos nas comunidades criadas por programas habitacionais.

Fontes alternativas de recursos

Em grande parte a concepção de toda a política habitacional está baseada no papel fundamental quase exclusivo do Estado como financiador. A capacidade decrescente do poder público para novos investimentos torna muito dessa concepção obsoleta e isso pode ser observado no papel crescente que outros modelos de financiamento vêm adotando na regulação mais moderna. Entretanto, essa transição ainda está incompleta. A necessidade de avançar em direção a um melhor equilíbrio entre as dimensões do socialmente justo e do economicamente viável – sem deixar de lado o ecologicamente correto, essencial às questões da política urbana, da sustentabilidade – torna-se, por esse motivo, essencial.

De igual maneira é preciso passar a considerar mais seriamente que o melhor aproveitamento da infraestrutura e dos equipamentos públicos já instalados com capacidade ociosa, bem como a redução dos tempos de deslocamento e a necessidade de ampliação do sistema de mobilidade representam fontes de investimento na produção de moradia qualificada. Assim, a transformação de recursos que seriam investidos na extensão da infraestrutura até áreas remotas em subsídios para empreendimentos habitacionais, numa política alinhada ao paradigma da “cidade compacta”, é algo que deve adotado com rapidez.

Em conformidade com os pontos apontados nos parágrafos acima, uma regulação ca- paz de otimizar a capacidade de suporte já instalada através da concessão de incentivos urbanísticos suficientes para dar viabilidade econômica a empreendimentos de habitação de interesse social privados seria um modo importante forma de aliviar as necessidades de investimento público, permitindo que ele se concentrasse nos segmentos nos quais tal viabilidade não existe.

Também é necessário considerar aqui a plena utilização dos recursos disponíveis aos municípios através da Outorga Onerosa do Direito de Construir e da venda de Certifica- dos de Potencial Adicional de Construção gerados pelas Operações Urbanas Consorcia- das. Em relação a ambos, o incentivo à adoção, pelos municípios, do Coeficiente Básico único igual a 1 e à aplicação dos instrumentos de Controle da Função Social da Propriedade tem potencial para gerar um volume significativo de recursos para a implementação de políticas com impacto não só na área habitacional como também na ambiental.

Implementação de avaliação de custos, resultados e impactos das políticas em suas diversas fases de implementação

Existe a necessidade de aprimoramento da accountability da política habitacional, em particular quanto a um melhor desenho da medição de resultados e impactos que levem em consideração o enfrentamento das diversas categorias de déficit habitacional. Em particular é necessário estabelecer uma métrica suficiente para equilibrar o atendimento ao déficit nas áreas metropolitanas e cidades de maior porte, nas quais os custos de produção, bem como as externalidades negativas resultantes do adensamento periférico, são muito diversos. Em que pese o excelente resultado do MCMV na produção de novas moradias, por exemplo, a concentração, na periferia, de grande parte delas acabou por gerar outros problemas urbanos, inclusive de segurança – levando ao atendimento somente àquela dimensão mínima de serviço habitacional apontada no item 3.1.

A incorporação dos custos gerais da política, de maneira a eliminar as externalidades, deve ser levada em conta, pois isso restabeleceria um maior equilíbrio entre a produção de novas moradias, a qualidade de vida e o direito à cidade dos beneficiados e também reforçaria a necessidade de outros investimentos futuros do poder público na qualificação da área, bem como a contenção da expansão das manchas urbanas que resultam em um custo ambiental não mensurado atualmente.

Políticas propostas

Regularização e reurbanização

Os processos de regularização e reurbanização foram bastante simplificados pela legislação citada anteriormente (BRASIL, 2017b), no entanto dependem, para a sua plena efetivação, de alguns elementos, além dos recursos para investimento, que podem ser oferecidos através de convênios. Ei-los:

a) Qualificação dos técnicos municipais;

b) Assessoria técnica a prefeituras e entidades da sociedade civil; na área urbanística,

assistência legal, social e econômica;
c) Regularização associada a políticas de geração de empregos e renda endógenos, em particular com o desenvolvimento de centralidades priorizando empreendedores locais que já mantinham atividade terciária no território.
  1. d)  Priorização de programas de alocação de recursos e financiamento para municípios que atualizem tanto o seu marco regulatório como a regularização fundiária,

    além outras fontes de recursos;

  2. e)  Sincronia e sinergia com as políticas setoriais relativas à infraestrutura primária;

  3. f)  Prioridade absoluta para realocação de famílias em áreas de risco ou eliminação de riscos por meio da reurbanização.

Estímulos à adoção, pelos municípios, de instrumentos de Controle da Função Social da Propriedade e Transferência do Direito de Construir para fins Habitacionais

Como apontado antes, a alocação de recursos aos municípios deve estar associada à disposição deles de esgotar as possibilidades de financiamento pelos instrumentos sob a sua jurisdição, priorizando assim os projetos que têm maior sintonia com as diretrizes gerais da política urbana nacional.

É da maior relevância a adoção de um Coeficiente Básico único, preferencialmente igual a 1, de modo a assegurar que o município aplique o Solo Criado e a receita dele proveniente de uma forma capaz de buscar um equilíbrio entre áreas públicas e privadas e entre áreas centrais e periféricas, compatibilizando-se com a diretriz geral de cidade compacta.

A recomendação é de que qualquer alocação de recursos dentro das políticas pro- postas esteja vinculada à adoção desses instrumentos ou, ao menos, que se priorizem aqueles municípios nos quais eles são adotados, de maneira a otimizar os resultados e os impactos das demais políticas.

Instrumentos de Controle da Função social da Propriedade

A contenção dos vazios urbanos mantidos como reserva especulativa, destinada a acumular a valorização produzida pelos investimentos públicos e privados no entorno, pre- cisa ser estimulada através dos instrumentos previstos no Estatuto da Cidade. Isso tem importância estratégica na medida em que coloca uma pressão negativa sobre o valor da terra infraestruturada, estimulando sua comercialização e a produção de novas unidades habitacionais e empreendimentos comerciais em áreas melhor localizadas. Essa política é essencial não só para reduzir o peso do custo da terra nas metrópoles como também para permitir uma melhor organização do desenvolvimento das cidades de médio e pequeno porte, em especial aquelas situadas na fronteira agrícola, que têm experimentado um crescimento demográfico mais acentuado.

É muito importante que tal política tenha como objetivo central estimular a produção nessas áreas, mais do que estabelecer um caráter punitivo, inclusive em função das limitações quanto à capacidade de investimentos públicos.

TDC Para HabItação de Interesse social

O Estatuto da Cidade estabelece a possibilidade de utilização da Transferência do Direito de Construir para áreas associadas a programas habitacionais, seja pela doação de espaços nos quais se pretenda fazer a regularização, seja para outros casos em haja possibilidade de fazer a associação com essa finalidade. Assim como outras políticas relacionadas, os resultados para dessa dependem de uma adequada calibragem da OODC e da adoção do Coeficiente Básico Único e Unitário.

Programas de retrofit

Nunca é demais insistir que há um volume significativo de imóveis bem localizados, inclusive em áreas centrais, cuja alteração de padrões de uso, desindustrialização, mudança das centralidades ou outros elementos acabaram fazendo com que se tornassem inutilizados. Em muitos casos o reaproveitamento desses imóveis construídos, mesmo quando não destinados originalmente à moradia, representa uma alternativa de custo mais baixo do que a demolição ou reconstrução – às quais também podem estar limitadas pelo interesse histórico, paisagístico ou arquitetônico. Assim, uma política que facilite o seu reaproveitamento – quando se tratar de produção, no todo ou em parte significativa a ser determinada, segundo o perfil da cidade e do território – pode ser um importante estímulo não só para a requalificação de áreas degradadas como também para a indução de novas vocações econômicas.

Estímulo à produção privada por incentivos urbanísticos e fiscais

A concessão de coeficientes adicionais a empreendimentos que contemplem a demanda por Habitação de Interesse Social, a possibilidade de pagamento de outorga por meio da produção de unidades de HIS no território, o estímulo ao uso misto e a mescla de classes sociais em um mesmo empreendimento, a produção em áreas de centralidade infraestruturada pela elevação de coeficientes de aproveitamento que contemplem os públicos nas faixas de renda nas quais se concentra o déficit local, entre outras medidas, podem assegurar a viabilidade econômica de empreendimentos daquela natureza para atendimento à faixa de 1 a 3 SM. Além disso a ampliação da oferta levaria a uma tendência declinante do déficit gerado pelo ônus excessivo no pagamento do aluguel.

Um aspecto relevante a essa política, a qual exige sincronia entre as esferas federal e municipal, é que a segunda detém a autoridade para os incentivos urbanísticos, enquanto a primeira controla os principais incentivos fiscais, em particular os referentes ao IR. Assim, uma política efetiva na área dependeria da adoção simultânea das duas linhas de incentivo, provavelmente pela necessidade de adesão a um programa associado de incentivos e instrumentos para os municípios que quiserem se beneficiar da alocação de recursos.

Programas de Locação Social e Locação Incentivada

Em muitos casos, como foi lembrado durante encontros para a montagem da Agenda Social Mínima e Urgente, o atendimento ao Direito à Moradia em áreas infraestruturadas e com oferta de empregos só será possível através de programas de locação. Essa também é praticamente a única forma possível de atendimento, por exemplo, à crescente população com idade superior a 60 anos, para as quais os cálculos atuariais inviabilizariam os financiamentos habitacionais.

O instrumento é também relevante no sentido de poder atender a cada família nas suas necessidades específicas, que variam ao longo da vida – um casal sem filhos não tem a mesma necessidade de um casal com vários, que, por sua vez, não tem a mesma necessidade de um casal no qual os filhos já constituíram suas próprias famílias. Com isso, otimizam-se os impactos da política com a devida adequação de investimentos em unidades maiores ou menores, dependendo da necessidade dos futuros moradores.

Adicionalmente, a adoção em escala mais ampla da locação permitiria um melhor controle da relação entre a demanda atendida e a ocupante efetiva dos imóveis subsidiados, algo difícil hoje em dia e que gera extrema burocracia e custo sem a correspondente eficiência.

As políticas de locação estariam divididas em três grandes linhas:

Locação Social

Troca do subsídio patrimonial pelo subsídio ao valor do aluguel, preferencialmente associado a programas que gerem ou estimulem a produção de novas unidades.

Dadas as dificuldades do poder público quanto à gestão desses imóveis, a implementação de tal política deveria buscar formas de adquirir vagas ou remunerar a gestão, salvo para os casos de atendimento às famílias de renda inferior a 1SM, para as quais o volume de subsídio necessário provavelmente inviabilizaria a adoção de Parcerias Público-Privadas ou outros instrumentos similares.

Uma linha especial de Moradia Compartilhada poderia ser definida na política com atenção a:

a) Estudantes;
b) Idosos;
c) População egressa da situação de rua.

Locação Incentivada

Os mesmos métodos previstos para o incentivo à produção de unidades de HIS seriam aplicados para os imóveis destinados à locação, mas com algum incentivo adicional, para não se ter o interesse voltado para a produção convencional. Essa política seria melhor aplicável, em consonância com o conceito de Cidade Compacta, nas áreas de maior atratividade e melhor infraestrutura e oferta endógena de emprego (priorizando, portanto, a população que já trabalha no território como demanda).

O elemento central dessa política seria definir um determinado número de anos, variando em função das condições específicas do território e da legislação urbanística da localidade nas quais o imóvel deveria ser oferecido para locação, sob controle público (sempre por um custo compatível com 30% da renda da demanda que iria atender).

Garantia Pública

Um barraco na comunidade ou um quarto de cortiço nas grandes cidades custa muitas vezes mais do que uma unidade em melhores condições. Isso ocorre sobretudo devido a dois motivos:

a) Incapacidade da família de comprovar renda ou atender às necessidades de documentação para locar um imóvel convencional;

b) Necessidade de morar perto do trabalho, a fim de assegurar vaga de emprego ou reduzir custos de transporte.

Esses dois problemas poderiam ser enfrentados com uma política capaz de oferecer as garantias necessárias a um aluguel de tipo especial, assegurando que a família, sem aumentar sua despesa com habitação, pudesse ter acesso a uma moradia mais adequada, sem que houvesse maiores investimentos do que a provisão para eventuais não pagamentos.

Associação a programas de geração de emprego e renda e fomento ao empreendedorismo

Nesse ponto, seriam consideradas as seguintes ações:

Criação de áreas destinadas a atividades econômicas em novos projetos;

Investimento no teletrabalho, com concessão de incentivos a imóveis que prevejam espaços adequados, empresas que contratem em regime de expediente remoto trabalhadores residentes em áreas de maior vulnerabilidade, entre outros aspectos;

Implantação de programas de autogestão capazes de empoderar comunidades e entidades de forma mais significativa do que ocorreu no caso do MCMV-E. Não se descarta, em casos específicos – principalmente em localidades menores, onde o custo da terra e a necessidade de conter o espraiamento não requeiram o uso de técnicas construtivas mais avançadas –, a adoção também da autoconstrução, em especial por meio do regime de mutirão. Também é necessário aprimorar a accountability desses modelos de gestão comunitária.

Fontes de recursos

Previstas na legislação do FNHIS;
Previstas em outros marcos regulatórios;
Previstas para os municípios por meio dos seguintes instrumentos; Outorga Onerosa do Direito de Construir;
Operações Urbanas Consorciadas;
Heranças vacantes;
IPTU progressivo no tempo.

Referências

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FJP. PINHEIRO, Fundação João. Deficit Habitacional E Inadequação De. [S. l.], p. 71, 2021. [S. l.], p. 71, 2021. Disponível em: http://novosite.fjp.mg.gov.br/wp-content/ uploads/2020/12/04.03_Cartilha_DH_compressed.pdf.

POR UMA AGENDA SOCIAL MÍNIMA E URGENTE

Coordenação Geral

Instituto +
Coordenador Responsável: Rinaldo Gama

Habitação

Coordenação Técnica: Jorge Guilherme Francisconi
(colaborador do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper)
Assistência (“Apêndice”): José Police Neto e Carlos Alexandre Gomes

Participaram dos debates sobre o tema: Andre Czitrom, Carlos Alexandre Gomes, Carmen Silva, Claudio Acioly, Evaniza Rodrigues, Fernando Chucre, José Police Neto, Maria Zenilce, Peter Schweizer, Rafael Dalla Rosa, Victor Carvalho Pinto, Washington Fajardo 





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