A SAGA DO AEROMÓVEL


1. A SAGA DO AEROMÓVEL

A promoção de novas tecnologias cabe, geralmente ao inventor, ao setor público e ao setor privado – mas qual é o papel do empresário?

Poucas inovações criaram tantas expectativas e resultados preliminares tão positivos como o Aeromóvel. Mas o sistema não se consolidou.

Fica a questão: qual é a Saga do Aeromóvel?  

A crise energética dos anos setenta, gerada pelo aumento vertiginoso e inesperado do preço do petróleo, obrigou a economia mundial – em especial os países dependentes de petróleo, como o Brasil - a buscar a adoção de novos padrões de comportamento e o uso de novas alternativas energéticas. 

Como resultado houve mudanças estratégicas e o fortalecimento da Petrobras, assim como foi iniciado o bem sucedido Programa Nacional do Álcool, criado no período Geisel e desfeito no período Collor, quando mais de 90% dos veículos produzidos adotavam o modelo a álcool como combustível. Hoje o programa ressurge no biodiesel e o álcool volta ao mercado, com novas tecnologias de motores e com problemas semelhantes aos dos anos oitenta, em especial a conflituosa relação das forças de mercado com as exigências de preços estáveis de combustíveis e de políticas publicas sustentadas. 

No campo do transporte público e de massa coube à extinta EBTU (Empresa Brasileira de Transportes Urbanos) e ao GEIPOT (Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes), no Ministério dos Transportes, a responsabilidade de conduzir os programas de inovações tecnológicas e buscar novas alternativas energéticas mediante combustíveis que substituíssem derivados de petróleo.

Os resultados destes programas não foram consolidados devido à inconstância das políticas públicas, mas tanto a etanol como o metanol, os óleos de dendê, marmeleiro negro, mamona, babaçu e outros foram testados a partir da gestão do hoje Senador Alberto Silva e dos trabalhos de jovens técnicos altamente capacitados e motivados. Neste período também foram construídos protótipos, como o ônibus movido a gás e o micro-ônibus elétrico, este alimentado por bateria embarcada e com qualidades quiçá superiores àquelas do similar alemão, que visitei no inicio dos anos 80. 

Outros projetos trataram de modernizar os ônibus brasileiros e oferecer conforto aos seus usuários. Alguns bons resultados foram obtidos mediante veículos com degraus mais baixos, com suspensão e bancos de melhor qualidade, com motores mais potentes e melhor localizados. Com esta configuração foram construídos protótipos e definidas as especificações que passaram a ser utilizadas no modelo PADRON de ônibus, cujo uso nas cidades brasileiras foi incentivado por linha especial de financiamento do BNDES, na qual a EBTU pagava uma grande parcela dos juros. 

Outra categoria de projetos tratou da operação e qualificação de sistemas modais. Como resultado foram feitos grandes investimentos em projetos que respondiam à crise energética e a explosão metropolitana dos anos 70, tais como metrôs no Rio de Janeiro e São Paulo; os trens de subúrbio no Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife e Belo Horizonte e outros. Também foi desenvolvido o inovador Programa Nacional de Corredores Exclusivos de Ônibus, que surge a partir de projeto em Curitiba para logo se transformar em modelo imitado mundialmente. Sua disseminação no Brasil contou com recursos federais, do BIRD e de Prefeituras Municipais. 

O resultado destes investimentos foi a modernização dos sistemas de transporte de massa no Brasil, entre os quais merecem destaque especial a melhoria dos serviços de trem no Rio de Janeiro e a transformação operacional dos serviços de ônibus, mediante corredores de ônibus e planejamento do sistema multi-modal, os quais foram utilizados em todas as metrópoles e na maioria dos aglomerados urbanos brasileiros. 

A execução destes programas e projetos envolveu o setor publico e privado, a partir do apoio de várias agências, empresas públicas e entidades do Governo Federal que atuavam muito integradas ao setor privado, universidades e entidades de pesquisa. 

Dentro deste cenário maior foi desenvolvido o Programa de Pesquisa e Desenvolvimento do Sistema Aeromóvel, que se diferenciava dos demais pelos desafios, pelas promessas e pelas expectativas que gerava no campo da tecnologia de transporte público urbano. 

Hoje, passadas quase três décadas (1978/2006) e após os três anos de apoio da EBTU ao Projeto Aeromóvel (1978/1983), vale lembrar seu desenvolvimento no contexto maior das políticas federais de apoio ao desenvolvimento tecnológico nacional. 

Trata-se de uma saga que envolve políticas públicas de apoio à tecnologia nacional bem como fatores políticos, empresariais e pessoais. A saga não está concluída e, nestes dias em que não há mais o apoio do setor público ao projeto, seu sucesso depende das forças daquele setor do mercado que rege a tecnologia da mobilidade e dos transportes urbanos. A evolução do aeromóvel, com ascensões e quedas, serve como exemplo para projetos de parcerias público-privadas e para promoção de inovações tecnológicas. Também desnuda as dificuldades criadas por dirigentes públicos e empresários privados sem grandeza ou visão empresarial para promover e desenvolver inovações que servem ao interesse público, mesmo dentro das leis de mercado e sob concessão pública. 

Por tudo isso o tema é atual e oportuno, em especial para o Programa de PPPs e para o desenvolvimento da tecnologia como fator fundamental do desenvolvimento nacional. Frente a este cenário maior trato aqui apenas dos momentos em que participei da Saga do Aeromóvel. Outros atores podem tratar de vários outros aspectos, mas este artigo se restringe às políticas públicas de apoio às novas tecnologias, aos testes e aos resultados obtidos com o protótipo do Aeromóvel, a liberação do projeto para as forças de mercado e os resultados obtidos até hoje. Tudo isso envolve divergências e convergências, com os inevitáveis conflitos de interesses e de mentalidades de qualquer atividade humana, bem como trata do desafio empresarial das novas tecnologias.


Políticas para apoiar novas tecnologias


Quando em dezembro de 1978 desci em Porto Alegre, para permanecer algumas horas e seguir para o descanso natalino, amigos de trabalho me convenceram a conhecer um sistema de propulsão eólica que renomado ex-técnico da VARIG estava testando nos subúrbios da capital, em oficinas de uma de suas empresas. 

Fui, curioso e arredio. Meu compromisso foi de que não permanecer mais de vinte minutos, mas creio que fiquei por cerca de duas horas e adiei minha viagem para o dia seguinte. Tudo isso porque me colocaram em uma pequena cadeira de rodas sobre trilhos, ligada a uma placa que corria dentro de duto metálico que terminava em uma pequena ventoinha de ferreiro. Ao ser acionada, a ventoinha aspirou o ar no tubo, puxou a placa no duto e deslocou a cadeira com surpreendente aceleração. Isso foi o que vi e testei, como tantos outros haviam feito. 

O problema é que, como Presidente da EBTU, não me cabia ser apenas uma testemunha a mais. Aliás, o convite se devia apenas à minha função como membro da equipe responsável por políticas públicas de transporte urbano. Naquele momento representava a União e devia atender às diretrizes do II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento), que indicava a questão urbana como tema prioritário. Por isso fora criada a EBTU, cujo orçamento beirava os 200 milhões de dólares e que superou a 1,2 bilhão de dólares em 1982.

Meu problema ficou mais simples quando percebi que não sabia o que fazer. O melhor, portanto, era conversar e escutar. Receber sugestões e fazer perguntas. O ponto central consistia em estabelecer se aquele invento poderia ser útil para o transporte publico e a mobilidade urbana e neste campo tivera algumas experiências nos meses anteriores. A EBTU havia recebido propostas para apoiar o motor movido a água e o aeromóvel francês, de tração elétrica, para uso em São Paulo. Os testes e as avaliações que haviam sido feitos não sustentaram as propostas e as idéias haviam sido abandonadas. 

Agora havia uma diferença: a grande aceleração da cadeirinha puxada pela ventoinha, por hora, parecia ser mais um brinquedo inovador do que uma tecnologia para transporte de massa. Para avançar seria necessário estabelecer um programa de trabalho que, gradualmente, permitisse aos técnicos da EBTU e de outras entidades validar - ou não, o novo invento, a partir de prolongado e exaustivo programa de testes.

Os resultados daquele dia foram bastante concretos: ficou estabelecido um programa simples e executável de testes do sistema eólico de propulsão. Na primeira etapa seria construído um protótipo com 400 metros de extensão, com rampas de 12% e um veiculo para 15 pessoas, tendo como propulsor um ventilador industrial mais potente. Tudo isso deveria estar pronto e testado em poucos meses. Três ou quatro? Não lembro. 

Para financiar este experimento técnico seriam aplicados não mais de cinqüenta mil (unidades da época) – o que era muito pouco. Já no dia seguinte localizei o Presidente da FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), para que EBTU e FINEP liderassem esta etapa inicial, nos termos de convênio já assinado. E assim foi feito.

Mas resolvidos os procedimentos para esta primeira etapa, muitas questões permaneciam em aberto. A maior preocupação era quanto ao padrão de relacionamento que a EBTU deveria adotar com a empresa Coester S.A., que conduzia e patenteara o invento. O valor do primeiro investimento não preocupava já que se tratava de um teste inicial. Era pagar para ver. Se os resultados fossem negativos, a EBTU teria cumprido com um dever que cabe ao setor publico: o de fomentar novas tecnologias. Mas, e se desse certo? Que fazer e como prosseguir? O problema surgiria a partir de possíveis resultados positivos e do sucesso dos experimentos.

Busquei exemplos de outros países. Lembrei John Kennedy prometendo que o homem chegaria na Lua em uma década. Tentei descobrir os passos seguintes do Programa do Governo dos EEUU para colocar o homem na lua, o que havia sido feito mediante trabalho conjunto do setor público, universidades, centros de pesquisa e empresas privadas. Também o exemplo francês de parcerias - para promover trens de alta velocidade (TGV) ou melhorias tecnológicas, era útil para definir futuros procedimentos da EBTU como gestora de políticas e de recursos públicos. 

Enquanto tratava de responder às questões relativas aos padrões contratuais da parceria para promoção da nova tecnologia que surgia, também acompanhava a condução técnica dos testes. Desde o inicio ficou claro para a equipe da EBTU que cada etapa seria cumprida com rigorosa avaliação dos resultados. A partir de cada conjunto de resultados haveria o avanço para a etapa seguinte e como previsto, desde o inicio foi necessário enfrentar preconceitos e lobbies técnicos e econômico-empresariais. O apoio que o projeto recebia do Ministro Eliseu Resende e de outros setores do Governo Federal enfrentava tanto os setores mais conservadores como grupos que tinham predileção ou interesse empresarial por alguma tecnologia. Esses últimos tratavam sempre de, a priori, desacreditar a tecnologia do alemão da VARIG. O preconceito aqui era total. 

Daí a importância de escolher, desde o inicio, um técnico com alta capacidade técnica e com formação para conduzir o projeto. Chamei Julio Peixoto, cuja honestidade intelectual e formação técnica no ITA o capacitavam para este projeto. A conversa que tivemos foi bastante fácil. Contei do meu espanto com a experiência no banco com ventoinha, sugeri que o poder púbico deveria estimular o desenvolvimento tecnológico e que Santos Dumont jamais obteria recursos públicos para construir o 14 BIS caso fosse avaliado segundo o saber e os conceitos técnicos da época. Por isso estava propondo que o novo sistema de propulsão eólica fosse avaliado a partir dos resultados obtidos a cada etapa. 

Ou seja, deveríamos ter a modéstia de testar empiricamente para depois explicar os fatos de forma cientifica, para a freqüentemente conservadora comunidade técnica e cientifica. 

Depois de alguns meses surgiram os primeiros resultados das avaliações do módulo de 400 m construído em Porto Alegre. Os resultados eram muito positivos e encorajadores. Cabia prosseguir. Mas agora tudo ficava mais complexo, os investimentos eram bem maiores e cabia estabelecer formas contratuais para que, na parceria da EBTU com a empresa Coester, o investimento público não fosse simplesmente privatizado. 

Não se tratava apenas de estabelecer procedimentos e os recursos a serem aplicados. Mais importante era estabelecer os princípios da parceria, o que afinal foi definido a partir alguns poucos itens básicos:

Primo – o investimento do setor público (EBTU) era um investimento de risco em prol do desenvolvimento da tecnologia nacional, já que a Constituição Federal reserva ao Estado a promoção e o incentivo ao desenvolvimento cientifico, à pesquisa e à capacitação tecnológica, sendo que esta última voltar-se-á preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e internacional.   

Secundo - que em caso de sucesso, os resultados técnicos seriam de propriedade do inventor, não cabendo ao setor público envolver-se na propriedade intelectual ou na gestão empresarial da nova tecnologia. 

Tertio – que em caso de sucesso, o setor público seria ressarcido integralmente dos investimentos que havia feito, com pagamento do principal acrescido de juros de mercado, com o valor do recolhimento estabelecido como percentual do lucro ou da receita obtida pela empresa na venda da tecnologia. 

Estes princípios foram adotados nesta parceria publico privada e orientaram a construção do trecho-piloto do sistema Aeromóvel em Porto Alegre. O objetivo maior do ressarcimento do investimento, obtido a partir do sucesso da tecnologia, era de criar fundo financeiro de apoio a novas tecnologias no setor do transporte público urbano. Hoje isso não passa de um sonho de verão desenvolvimentista, típico dos anos 80 ...


A construção e os resultados de trecho-piloto em Porto Alegre


A etapa seguinte foi a construção de trecho-piloto para testar o sistema dentro de uma cidade, de tal forma que fosse possível comparar estes resultados com aqueles de outras tecnologias disponíveis no mercado, como os metrôs, trolebus, trens, ônibus convencionais e VLTs.

Para poder realizar estes testes comparativos foram adotadas duas diretrizes básicas. 

Primo - os veículos do Aeromóvel teriam as dimensões e as características dos veículos utilizados na Linha 2 do Metro do Rio de Janeiro, e teriam de apresentar performance técnica igual ou superior, e rampas com mais de 8% de inclinação.

Secundo - o trecho-piloto, definido em conjunto com a Prefeitura de Porto Alegre, seria construído na área central para sua possível integração no sistema de transporte público. Por isso sua localização entre a estação do trem de subúrbio da metrópole gaúcha e o Centro Administrativo do Estado. 

A execução desta etapa exigiu recursos bem maiores e, principalmente, a realização de vários testes de componentes, desde a resistência das vigas pré-moldadas, exaustivamente testadas e refeitas a partir de testes de carga com aparelhos especialmente importados para esta finalidade, até a construção de sistemas eletrônicos para aferir e controlar impulsos eólicos e a velocidade do veiculo em movimento, a partir de comando central e sem operador nos veículos. 

Este foi um processo lento e extremamente complexo, visto que em cada setor e em todo e qualquer componente industrial sempre havia algo inovador que deveria ser exaustivamente testado e acionado. 

No final de 1982 o trecho piloto estava pronto para operar e ser inaugurado. As vigas e estações estavam construídas, com trilhos e vigas com dutos pré-moldadas, grandes ventiladores industriais, sistemas de controle da propulsão eólica, sistemas de comunicação e tudo mais devidamente implantados e operando. Os testes realizados haviam correspondido ao contrato e às expectativas, com veículos equivalentes, em forma e capacidade, aos utilizados na Linha 2 do Metrô do RJ. Este trecho, com 750 metros, permanece ainda hoje em operação na área central de Porto Alegre. 


Turbulências na Administração Federal 


Durante o período 1979–1981 houve um tranqüilo, cuidadoso e seguro desenvolvimento do projeto do Aeromóvel. Esta fase termina quando o Ministro Eliseu Resende deixa o Ministério para tornar-se candidato ao Governo de Minas Gerais e o novo Ministro não adota a mesma postura e os mesmos procedimentos quanto ao trabalho em equipe e a execução e desenvolvimento de projetos nas diferentes áreas atendidas pelo Ministério dos Transportes. Durante a gestão do novo ministro (1982-1984) há fortes mudanças nas diretrizes e nas prioridades do Ministério, com turbulências que colocaram o projeto de energia eólica, o Aeromóvel, como bode expiatório de demissões na EBTU. 

Já em 1982 tornara-se mais difícil para a EBTU desenvolver suas atividades e, nos anos seguintes, o Aeromóvel não só é abandonado como passa a ser execrado pelo Ministério dos Transportes, que trata de denegri-lo junto aos demais Ministérios. Também é alterado o programa de trabalho que a EBTU desenvolvia, tanto na área de tecnologia como no setor de transporte de massa, visto que a CBTU é criada para absorver importantes projetos de transporte de massa (trens de subúrbio e de metrôs), que eram construídos sob responsabilidade e gestão da EBTU. 

Esta atitude do novo ministro já era esperada dada às relações extremamente tensas que havia tido com técnicos e dirigentes da EBTU quando ainda assessor do Ministro Eliseu Resende. Além disso, este ministro olhava o cenário político com ambições que exigiam o prestígio e os investimentos da Empresa no Rio Grande do Sul. 

Este foi o cenário da minha demissão da Presidência da EBTU no final de 1982 e da crise de 1983, que coloca o projeto Aeromóvel na lista negra do Governo Federal e como bode expiatório do conflito da EBTU com o ministro. Desta época guardo, com muito carinho, a lembrança da viagem pré-inaugural, feita às escondidas na calada da noite anterior à inauguração oficial do Aeromóvel, em abril de 1983.

Nesta época o projeto do Aeromóvel enfrenta forte campanha de criticas e acusações, fomentadas pelo gabinete do Ministro. As acusações colidiam com os resultados dos testes do trecho-piloto, que haviam respondido plenamente às melhores expectativas técnicas, operacionais e de custos, mas isso não impediu a suspensão da segunda etapa do projeto, que previa a construção de rampas e desvios nas linhas do sistema. 

Tudo parecia ser um temporal de verão e se esperava que, em breve, tudo voltasse ao normal. Ainda mais que os resultados altamente positivos levaram o Governador Jair Soares a propor a extensão da linha-piloto, desde a Estação do Mercado até o Campus da PUC. Em resposta o então ministro classificou o projeto como muito inquietante e sem maiores justificativas, cortou todas as verbas que haviam aprovadas no Orçamento Federal para desenvolver o Aeromóvel. 

Esta situação resultou na suspensão do projeto de energia eólica em testes e favoreceu empresas estrangeiras que competem na produção de veículos leves sobre trilhos (VLTs). Além disso, fortaleceu o uso de vans e ônibus na operação do transporte público local.  

O apoio público federal ao Projeto Aeromóvel reaparece em 1984, na Feira de Hannover, quando cerca de 18 mil pessoas utilizam um primeiro protótipo do Aeromóvel. Em 1985 o Ministro Renato Archer decide apoiar o Projeto mediante empréstimo da FINEP para construção de desvio complementar na linha em operação. Esta bifurcação ferroviária dos dutos de ar comprimido constituía o último problema prático para uso do Aeromóvel. Os resultados técnicos foram os melhores possíveis, como se pode ainda hoje observar. Mas surgiu um resultado indesejado no campo financeiro porque a empresa não teve receita para pagar o valor inflacionado do empréstimo tomado com a FINEP. Como resultado todo grupo empresarial Coester entrou no CADIN, lista de inadimplentes do Ministério da Fazenda. 


Antes, porém, outros fatos ocorrem.


O sucesso técnico e de mercado


No transcorrer dos anos 80, os resultados do trecho-piloto do Aeromóvel ultrapassam as fronteiras dos projetos experimentais e o sistema é visto como uma nova e instigante tecnologia. Como resultado surge o natural interesse dos empresários de vanguarda na aplicação do sistema. 

A Saga do Aeromóvel entra agora no ciclo de sucesso de imagem e o protótipo é analisado como alternativa tecnológica para servir ao transporte urbano. Além de suas características energéticas, outros aspectos inovadores são o baixo custo construtivo e operacional, a aceleração e flexibilidade funcional, os padrões de segurança e qualidade, além de poluição zero. A grande aceitação técnica e de público que o sistema eólico recebe, agora a nível mundial, atrai empresários nacionais e estrangeiros e constitui o apogeu do Aeromóvel. 

Surpreende então o fato de que, até hoje, a tecnologia não tenha se firmado como alternativa modal para o transporte público, em condição que exige algumas observações. 

Em primeiro lugar o fato de que, no mercado global das tecnologias de transporte, cada país promove suas empresas e suas invenções e disputa cada oportunidade com unhas e dentes. Neste mercado nenhuma tecnologia, inclusive as de multinacionais extremamente poderosas, vence sem o apoio dos respectivos países. Esta disputa de mercado na era globalização é um fator estratégico fundamental para o desenvolvimento nacional. Um bom exemplo é Concorde, que ficou proibido de aterrisar nos EEUU por muito tempo, ou o TGV francês, que não consegue entrar no mercado americano. Ou a recente discussão sobre tecnologias para televisão digital no Brasil.

Não há infelizmente no Brasil uma política ampla e coerente para atender às exigências do desenvolvimento tecnológico, que trate desde tanto de procedimentos no imposto de renda até o financiamento da produção inicial. Em função disso não houve apoio ao sistema de propulsão eólica, ainda que surgissem inúmeros projetos para desenvolver o Aeromóvel no Brasil e no exterior visto que a tecnologia havia alcançado alto patamar de aceitação na comunidade global da mobilidade.

O único trecho que hoje utiliza o sistema Aeromóvel é a linha circular de Parque Taman Mini, ao sul de Jakarta, inaugurada em 1989. A tecnologia foi usada por aconselhamento técnico de especialista do Banco Mundial que trabalhava como consultor junto ao Governo da Indonésia e permanece em operação até hoje, ainda que praticamente sem manutenção. Mas - atenção leitor - a única noticia divulgada na imprensa brasileira na inauguração foi sobre a frenagem inadequada executada por técnico local, que resolvera operar manualmente o sistema e fez com que alguns passageiros perdessem o equilíbrio. 

A foto publicada gerou muita satisfação entre empresas globais que trabalham com VLTs, e nossa mídia não fez qualquer análise do fato ocorrido ou sobre a invenção brasileira. Mas apesar disso houve a proliferação de projetos para uso do Aeromóvel - no Brasil e no exterior, durante os anos 80 e 90. A tecnologia eólica do Aeromóvel assumia papel de destaque na vanguarda no transporte coletivo e de massa devido às suas vantagens comparativas, em especial os baixos custos, fácil manutenção, beleza urbanística, facilidade de construção, segurança, qualidade, com baixo nível de ruído e poluição zero. 

Entre os projetos elaborados se destacam os de Jaime Lerner para o Rio de Janeiro e outros elaborados para Curitiba, Porto Alegre, São Paulo, Goiânia, Brasília – com apoio do Ministro Archer, Recife e outras cidades. Como seus custos de construção equivaliam aos de Corredores de Ônibus, houve o interesse de algumas empresas concessionárias em busca de qualidade nos serviços. Também foram projetadas ligações entre aeroportos e terminais.

Igualmente no exterior foram feitos projetos, especialmente depois que os resultados em Jakarta, nunca divulgados devidamente no Brasil, foram recuperados e analisados por um grupo de empresários sauditas e americanos, que assumiu o comando da tecnologia no exterior e passou a investir em protótipos e projetos para cidades nos EEUU, Europa e Ásia. Na América Latina também surgiram oportunidades, como para Maracaibo na Venezuela, mas o projeto morreu pela falta de apoio do governo brasileiro.

Estes projetos, no Brasil e no exterior, também enfrentaram as grandes multinacionais e as pressões de nações desenvolvidas. No Brasil em particular, a falta de apoio público fomentou o desinteresse do empresário privado na execução de projetos de transporte de massa com o Aeromóvel. 

Verifica-se, assim, alguns dos fatos expostos prejudicaram a consolidação da tecnologia eólica, mas isso não esgota o assunto. Busco, então, estabelecer outros fatos e outros fatores que também influíram na marginalização desta tecnologia, sabendo que o tema exige avaliações complementares mais aprofundadas.


  O Vetor Empresarial 


Após três décadas de convivência com o sistema eólico do Aeromóvel, trato o tema como saga que oferece importantes lições sobre as políticas públicas brasileiras; as forças de mercado no setor de transporte de massa; na importância da economia globalizada e a factibilidade da tecnologia. E busco também as causas do insucesso. 

Dito de forma resumida, o projeto do Aeromóvel passou por etapas em que contou com o apoio do setor publico (1979/1983) e em que foi execrado pelo Governo Federal (1984/1985). Segue um período em que desaparecem as políticas federais de apoio ao transporte público e mingua o apoio ao desenvolvimento tecnológico. 

Desaparece então o triângulo de sustentação do desenvolvimento tecnológico que foi estabelecido como fundamental, pela Universidade de Harvard, após longo e criterioso estudo que conclui: inovações bem sucedidas exigem a academia, o governo e a industria trabalhando juntos. Este estudo foi coordenado por Jeffrey Sachs, cuja equipe analisou a disparidade tecnológica internacional, sua importância para o desenvolvimento econômico e social de cada pais ou região. Ao final os países / regiões foram classificados em três categorias de nível tecnológico: (i) países inovadores; (ii) áreas que adotam tecnologias na produção e consumo, que no Brasil corresponderia ao Brasil Meridional, e (iii) áreas tecnologicamente excluídas ou desconectada, em nosso caso o Brasil Setentrional. O sucesso de países da primeira categoria resulta do trabalho integrado e dos investimentos do triângulo empresário-governo-academia.

E como aconteceu com outras invenções, como o automóvel, o avião ou o trem, é o Vetor Empresarial que consolida o desenvolvimento de qualquer tecnologia inovadora. O Aeromóvel patenteado por Oskar Coester foi prematuramente entregue, a partir de 1984, às forças de mercado e seu o desenvolvimento passou a depender do somatório dos vetores empresariais favoráveis e desfavoráveis ou contrários. 

Pouco sei sobre esta fase do projeto de energia eólica para o transporte urbano e minha curta participação inicia no verão de 1984, quando em doce exílio voluntário lecionava na Universidade de Paris XII. O Aeromóvel florescia em aura de sucesso quando surge um Vetor Empresarial interessado em apoiar a implantação de projetos com a tecnologia do Aeromóvel. Diretores do Grupo Odebrecht, empresa multinacional brasileira em busca de novas oportunidades, haviam analisado os potenciais do sistema Aeromóvel e queriam conhecer melhor a condição para sua aplicação em projetos urbanos e metropolitanos. Após troca de idéias em Paris houve reunião em São Paulo, com a participação de Oskar Coester, para analisar a constituição de empresa que ficaria sob liderança empresarial e financeira da CBPO e liderança técnica da Coester. O objetivo era desenvolver e utilizar o Sistema Aeromóvel e seguiram-se visitas e reuniões para que os lideres empresariais fizessem uma avaliação das culturas e procedimentos do respectivo parceiro. 

Durante o ano de 1984 foram elaborados os documentos para constituição da nova empresa, o que exigiu um trabalho intenso e negociações bastante difíceis. Isso porque sempre havia uma nova exigência a ser atendida. Afinal chegou-se aos termos de constituição da empresa e foi marcada a data para assinatura em Porto Alegre. 

Naquela tarde, com todos os interessados presentes para assinatura do documento de criação da nova empresa, Oskar lembrou-se de alguém com quem tinha algum tipo de compromisso e que deveria ser considerado no documento. Foi a gota d´água. O representante da CBPO consultou o Presidente da CBPO, então no interior da Amazônia, explicou o problema e recebeu ordens para esquecer o assunto e voltar para São Paulo. 

Com isso foi perdida a primeira grande oportunidade para estabelecer o Vetor Empresarial do Aeromóvel, como também ficou adiado meu sonho de transformar o Aeromóvel num paradigma da capacidade brasileira de criar e desenvolver tecnologias de maneira empresarial. Ao mesmo tempo nascia a imagem de Oskar Coester como inventor que resistia às parcerias destinadas a consolidar o uso de seu invento. 

Após surge o mencionado empréstimo da FINEP, que reforça as condições de uso da tecnologia, mas coloca o Grupo Empresarial Coester no CADIN. Este grave problema financeiro exigirá grandes aportes financeiros no projeto e várias tentativas são feitas, no Brasil e no Exterior, para resolver esta crise no vetor empresarial do projeto. Como resultado há vendas de direitos no Brasil, em várias parcerias apressadas. Mais tarde, quando cresce o débito com Governo Federal devido às altas taxas de inflação, torna-se necessário vender estes direitos para empresários sauditas e americanos, que aportam recursos, embora pouco afeitos às atividades empresariais em transportes urbanos. 

Não testemunhei as dificuldades de Coester nesta década de crises, parcerias e negociações empresariais no exterior. Soube apenas de seus sobressaltos financeiros e da venda dos direitos de uso e exploração de mercado para empresários sediados nos EEUU enquanto Oskar permanecia com os direitos no mercado brasileiro. Aqui enfrentou, como regem as leis de mercado, a forte concorrência de adversários e não conseguiu consolidar o Vetor Empresarial e estabelecer parcerias para utilizar o Aeromóvel. 

Este período do projeto se caracteriza por tratativas inconclusivas sobre modelos de parcerias, num processo que se repetiu em várias metrópoles brasileiras. O resultado é que temos hoje um número crescente de empresários e técnicos com dúvidas sobre a própria tecnologia eólica para transporte urbano, embora o problema central seja o modelo empresarial a ser adotado.

E nisso estamos hoje, após três décadas de experimentos e debates sobre o Aeromóvel. Nenhum projeto foi implantado e nada foi consolidado, apesar de inúmeras oportunidades criadas para resolver o Vetor Empresarial no Brasil e no Exterior. 

Todos os estudos indicam que a tecnologia Aeromóvel dispõe de fundamentos técnicos e construtivos, econômicos e operacionais muito sólidos. Nos dias de hoje sua importância cresce face aos efeitos na poluição mundial, ao custo crescente e à futura escassez dos derivados de petróleo. Estes fatores nos obrigam a buscar novas tecnologias energéticas já que, sob efeito de outras variáveis, estamos entrando em ambiente semelhante ao da Crise do Petróleo nos anos 70. 

Por isso cumpre retomar ao desenvolvimento do projeto de energia eólica para obter resultados concretos nos serviços de transporte de massa. O passo fundamental consiste em definir o modelo e os vetores empresariais que irão promover o uso do Aeromóvel. Esta questão permanece engasgada na garganta de muitos e a resposta depende de Oskar Coester, na medida em que detém o saber tecnológico. Para avançar no uso do Aeromóvel caberá, inicialmente, promover negociações consistentes entre empresários privados e lideranças do setor público que respondem pelas políticas energéticas, tecnológicas, mobilidade urbana e pelos transportes públicos no Brasil. 

Para tanto alguém deverá ousar e dar inicio a esta caminhada em direção a aplicação e difusão da tecnologia do Aeromóvel, visando especialmente a melhoria dos deteriorados transportes urbanos no Brasil. 

Jorge Guilherme Francisconi – Arquiteto Urbanista, MRP, PhD 

jgfranc@terra.com.br 

02.04.06


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