A QUESTÃO URBANA: PLANEJAMENTO E PLANOS DIRETORES

TEXTO  PARA  LEITURA  DIRIGIDA

A QUESTÃO URBANA: PLANEJAMENTO E PLANOS DIRETORES

Profª Suely Franco Netto Gonzáles

1. A Questão da Gestão Urbana

A grande maioria as cidades brasileiras apresenta um crescimento significativo, resultado do processo de urbanização que vem ocorrendo no País nas últimas cinco décadas. O crescimento acelerado das cidades brasileiras e a multiplicação dos problemas de seu espaço físico são evidentes.

Em todas elas, comparecem problemas que foram se sedimentando em função, tanto da falta de recursos, quanto da falta de processos racionais para direcionar o desenvolvimento do espaço urbano para objetivos de bem estar e qualidade de vida das populações.

Os processos de assentamentos periféricos estão fora de controle. As dificuldades na extensão dos sistemas de saneamento básico e demais infraestruturas, acrescentam às cidades, grandes áreas com alto potencial de deterioração ambiental. A qualidade de vida resta como privilégio de uma minoria. 

Os desastres motivados pelos desmoronamentos de encostas ocupadas por moradias precárias é o mais recente alerta sobre a questão das ocupações inadequadas do solo urbano. As tragédias urbanas se repetem, penalizando quase sempre as populações pobres ou marginalizadas.

O intenso processo de urbanização e o aumento da pobreza desenvolveram problemas que se acentuam rapidamente, em nosso País.

Esse processo tem apresentado algumas regularidades que variam, no grau de intensidade ou nas formas específicas que tomam, em cada cidade:
- a expansão urbana vem se realizando mediante parcelamentos ou invasões de terras periféricas, em forma de ocupações de baixa qualidade ambiental e construtiva;
- a demanda por habitação representa uma pressão cada vez mais forte e expressa-se por dificuldades de solvência frente a oferta de unidades residenciais, no mercado imobiliário;
- o espaço habitado apresenta um processo permanente de substituição de uso ou de funções, sempre tendentes a uma segregação sócio-espacial cada vez mais nítida;
- há uma constante dificuldade para a produção e distribuição dos componentes da infraestrutura urbana, dos equipamentos e dos serviços de uso coletivo.

Este quadro expressa um produto físico-espacial distribuído de forma não equânime, com permanente tendência à estratificação sócio-espacial.

As dificuldades em resolver os problemas crescem, principalmente pela falta de recursos suficientes para acompanhar o crescimento populacional com a produção de um espaço urbano adequado. Tal fator se agrava ainda mais pelas deficiências no desempenho técnico e gerencial, presentes nos processos das administrações municipais.

Este desafio, portanto, demanda processos de tratamento que objetivem e alcancem resultados eficazes, a curto prazo e com economias significativas dos recursos disponíveis.

A eficácia no desempenho gerencial, por sua vez, é função dos recursos instrumentais e dos níveis de capacitação das equipes técnicas, em cada prefeitura municipal.

A população e as atividades urbanas necessitam de espaço adequado para seu desempenho. Seu assentamento deve atender à condições técnicas e urbanísticas que lhe garantam  segurança e  sustentabilidade ambiental.

Em cada localidade, os espaços de uso permitido e aqueles impedidos de uso tem que ser tecnicamente identificados e seu tratamento deve ser planejado  em função de uma racionalidade, que contemple o equilíbrio ecológico  e a qualidade de vida das populações.

Esta é a função e a responsabilidade de cada prefeitura municipal que entretanto, deverá estar apta para desempenhá-la.
Admite-se que uma parte substancial dos problemas do quadro urbano possa ser minimizada por meio de uma gestão qualificada do uso e ocupação do solo, atentando para três aspectos:
      - implantação de  processos de gestão planejada do uso do solo;
  - presença de quadros técnicos locais bem preparados;
 - integração das comunidades locais nos processos de planejamento do uso e ocupação do solo. 

O engajamento das comunidades locais no processo decisório sobre o uso e ocupação do solo, somente será realizado se elas e seus representantes legais forem participantes do seu planejamento e de seu monitoramento.

2. O papel do Planejamento

O tratamento da questão urbana, no nível das políticas públicas, depende da competência técnica, tanto no campo político, como no econômico.

Entretanto, os instrumentos técnicos, normativos e financeiros disponíveis, por si só, não são suficientes. É preciso lançar mão da racionalidade e da sistematização que o planejamento propicia, para que se tornem eficazes, na prática da gestão urbana.

A problemática urbana evolui constantemente e a intervenção contínua e racional, com vistas a aproximar ao máximo do equilíbrio essa dinâmica, se constitui no processo de planejamento urbano.

A ausência de planejamento gera ações isoladas, estanques e setoriais que, além de pouco eficazes, dão lugar a padrões descontrolados de urbanização, favorecendo o  desenvolvimento de graves problemas ambientais.

Planejamento urbano é uma ação prática e política sobre o processo de produção do espaço, com o objetivo de transforma-lo. Tais objetivos, portanto devem estar claros.

Planejar é utilizar um determinado processo de racionalização do uso de meios, instrumentos e agentes para consecução dos objetivos. Tecnicamente isso significa dizer o que fazer e como fazer, com que prioridades e com que recursos.

O processo de planejamento urbano consiste, sumariamente, em conhecer o espaço atual da cidade e, por meio desse conhecimento, estabelecer as intervenções necessárias para mudar sua configuração e sua evolução naquilo que se demonstrar necessário para sua correção.

A necessidade de prevenção dos problemas sócio-ambientais leva à adoção de processos de previsão e de controle sistemáticos, como instrumentos eficientes da gestão.

Assim, a correção do planejamento de uma intervenção depende  de um nível de conhecimento dos fenômenos, por meio do qual seja possível fazer previsões sobre seu comportamento.

Somente a partir dessa formulação é que se torna possível a definição dos objetivos de uma ação viável e eficaz, destinada a mudar o movimento de determinada evolução urbana em suas tendências indesejáveis. Essa prática dirige a ação do planejador desde a definição dos problemas concretos até a formulação de propostas para seu tratamento.

A resolução e a forma de tratar os problemas do espaço físico de cada núcleo urbano, otimizando os recursos existentes e acionando os recursos potenciais é, pois, uma questão de método, no nível do planejamento urbano local..

É uma questão de método porque otimizar recursos implica em errar menos, portanto em ter eficácia na consecução de determinados objetivos. Implica também em obter resultados em prazos mínimos, dada a velocidade dos processos do desenvolvimento urbano e o volume e a gravidade dos problemas acumulados.

O planejamento, por definição, trabalha com as possibilidades de prever as tendências dos fenômenos objetos de sua intervenção. Portanto, o conhecimento desse objeto deve ser um conhecimento que permita fazer previsões sobre seu processo. Somente a descoberta das leis e das determinações que regem um fenômeno possibilitam prever sua evolução, seu comportamento segundo condições atuais ou alteradas. Esse conhecimento é construído por meio de processos de raciocínio lógico sobre as realidades concretas encontradas, em cada cidade, no seu quadro urbano construído.

Previsão e monitoramento são componentes vitais da gestão e se desenvolvem no processo de planejamento, que os assume, de forma sistemática e permanente.

O processo de monitoramento é parte integrante do planejamento. Ele acompanha e qualifica a implementação das diretrizes dadas ao desenvolvimento urbano local,  procedendo sua avaliação e correção e  atualizando constantemente o conhecimento dos fenômenos.

Seu objeto é o meio ambiente urbano problematizado e seu objetivo geral é a melhoria e a democratização da qualidade de vida urbana e a preservação do meio ambiente, em seus elementos e relações.
Sua eficácia é medida pelos padrões dos resultados ambientais, pela economia e rapidez em sua obtenção e pela qualidade de vida gerada.

 

3. O objeto do Planejamento

 

O espaço das cidades em crescimento é sempre um espaço em expansão periférica e em transformação interna. Ambas se realizam pela construção e reconstrução de habitações, edifícios públicos, ruas, redes de distribuição de água e energia elétrica, etc.

Este crescimento depende e se faz por meio de um processo específico de produção e de reprodução dos espaços, cujos meios são os recursos financeiros, as tecnologias disponíveis, os materiais de construção, o solo urbano e o solo rural do entorno de cada cidade.

Este processo é, em parte acionado pelo Poder Público e, em parte, pelas entidades privadas, inclusive as familiares.

Quando a administração de uma cidade se propõe a intervir nesse processo, necessita estabelecer um conhecimento da evolução da mesma e de suas perspectivas, que lhe permita explicar os fenômenos expressos nos problemas presentes e, assim, poder prever suas reais tendências.

Admite-se que o QUADRO URBANO CONSTRUÍDO seja o resultado de uma produção e reprodução permanentes de seus componentes físico-espaciais. Ele é um produto ou um conjunto de produtos e seu conhecimento ou sua explicação se obtém por meio da análise de seu processo de produção.

O objeto teórico do planejamento urbano é, pois, o processo de produção do quadro construído da cidade. Tal processo é que deve ser analisado, a partir de seus componentes e do sistema de relações que se estabelece entre eles, durante a produção do espaço. Esses componentes são: o solo urbano, a construção do quadro arquitetônico e da infraestrutura técnica e o processo de uso deste espaço.

O objeto concreto do planejamento urbano é o espaço físico da cidade. O quadro sócio-ambiental em evolução (desenvolvimento, transformação, crescimento) é o objeto da gestão e a qualidade ambiental é seu objetivo geral. Assumir que o quadro urbano formal, em permanente (re)produção é o objeto concreto e o objeto teórico do planejamento garante a integridade e a eficácia  da sua prática.

A forma do espaço urbano é o produto final e o ponto de partida dos procedimentos do planejamento urbano. É preciso, pois, adotar um método que garanta a especificidade dos problemas do espaço urbano e de seu tratamento, por meio do equacionamento de questões sócio-espaciais, como questões de urbanismo, como objetos concretamente definidos, sobre os quais as ações do planejamento irão interferir.

4. Objeto e Método do Planejamento

O conhecimento do processo da evolução real, concreta de cada espaço habitado deve estar comprometido com a intervenção sobre o mesmo, com o objetivo de altera-lo, com vistas ao tratamento de seus problemas.  (0bjetivos são resultados a ser buscados pelo tratamento de um objeto problematizado e segundo determinados princípios).

Admite-se que as tendências de desqualificação do quadro urbano geral, são explicadas por meio da análise do seu processo de produção. É por meio dele que se concretizam os processos de crescimento e de transformação permanentes dos espaços habitados.

A análise do processo de produção do quadro construído urbano fará emergir alguns níveis de explicação, que darão a conhecer a verdadeira dimensão e o real papel do componente solo urbano, no processo geral de produção do quadro habitado.

Cada cidade é um fenômeno evolutivo, multifacetário e complexo, cujos componentes interagem, formando um quadro sócio-espacial único, em constante vivência e transformação. Assim definida, sua gestão demanda um método de administração compatível com tal concepção, que lhe garanta eficácia, pela capacidade de prever e monitorar  o fenômeno urbano local.

O processo de planejamento urbano é uma ação prática e contínua de controle sobre o desenvolvimento de um espaço urbano concreto, real.

Tal prática aplica determinados conhecimentos na intervenção sobre os processos urbanos concretos. Seu ponto de partida são as tendências determinadas do desenvolvimento urbano local e o desejo (necessidade) de interferir no sentido de alterá-las, com a minimização ou o redirecionamento das tendências não desejadas

O planejamento, por definição, trabalha com as possibilidades de prever as tendências dos fenômenos objetos de sua intervenção. Esse conhecimento é construído por meio de processos de raciocínio lógico sobre as realidades concretas encontradas em cada cidade.

Tal previsão resulta de um nível de conhecimento que permite identificar as tendências do desenvolvimento sócio-espacial local, oferecendo um quadro sobre o qual possam ser estabelecidos objetivos e diretrizes de intervenção.
Somente a partir dessa formulação é que se torna possível definir os objetivos de uma ação viável e eficaz, destinada a mudar a evolução urbana, em suas tendências indesejáveis. Essa prática dirige a ação do planejador desde a definição dos problemas concretos até a formulação de propostas para seu tratamento. (Diretrizes são indicações que orientam e canalizam as decisões sobre o desencadeamento das ações).

Este é o papel do planejamento.

O monitoramento, por sua vez, qualifica e acompanha a implementação das diretrizes, procede sua avaliação e correção sistemáticas, realimentando o conhecimento do fenômeno e aperfeiçoando suas propostas.

Previsão e monitoramento são componentes vitais da gestão e se desenvolvem no processo de planejamento.

5. O Processo Decisório Local

A definição do objeto do planejamento do espaço habitado como sendo o processo de produção e reprodução do quadro físico-espacial dos assentamentos humanos vai gerar proposições de intervenção mais complicadas.

O viés político do controle e da gestão da produção do espaço habitado envolve o conhecimento deste objeto em uma dimensão social mais ampla, contrária a um comportamento tecnocrático, que produz análises e proposições por meio de uma atividade alienada dos sujeitos da realidade estudada.

A ação política inclui a população, enquanto usuária do espaço, como participante do processo que decide sobre ele. Essa participação somente será válida quando a população também conhecer e exercitar, com os planejadores, o entendimento do processo de produção de seu espaço, transformando esse conhecimento em força real de pressão para sua mudança.

A rigor, o conhecimento do processo de produção do espaço habitado (ou seja, a formulação correta dos problemas) já contém ou deixa inferir as forças de natureza política (decisórias) presentes. 

O que falta é a democratização desse conhecimento, não apenas pela divulgação de proposições já construídas, mas como processo partilhado durante a formulação dos diagnósticos e das propostas de solução. Partilhado quer dizer produzido em conjunto, não como uma estratégia de engajamento da população, mas como assumpção de uma forma correta de tratamento, como um método que admite que o conhecimento é poder e que o povo consciente é o germe do melhor poder.

Entretanto, a participação só é válida quando inclui a população usuária do espaço como participante do processo que decide sobre seu uso e ocupação. Esta participação compreende o exercício, com os planejadores, do entendimento do processo de produção de seu espaço, transformando esse conhecimento em força real de pressão para sua mudança.

A consciência das populações se faz pela força da produção conjunta do conhecimento de seus próprios problemas.

A participação popular garante, também a sustentabilidade das propostas geradas no processo de planejamento.

Essa estratégia de participação no processo de planejamento confere, além da racionalidade técnica, a transparência política e a contribuição do saber popular. Garante e objetiva a pressão das comunidades e sua fiscalização sobre os processos legislativos e executivos locais.  Somente por esse meio, ele tem garantida sua sustentabilidade. (política, técnica, temporal e espacial)

O engajamento das populações num processo de gestão democrática da cidade influenciará permanentemente os processos decisórios locais.

A participação popular não deve ser entendida  apenas pela divulgação ou pelas consultas formais sobre projetos e planos acabados mas, sim, como um processo partilhado de decisões progressivas que vão desde a formulação das questões locais até as propostas de ação e as posteriores ações de monitoramento

O processo decisório comprometido com a qualidade de vida da comunidade local é obtido por meio e durante a elaboração participativa (técnicos e população) dos diagnósticos e das propostas sobre as questões locais.

A elaboração participativa de instrumentos normativos, na forma de Planos Diretores, compostos por um conjunto coerente de estratégias, normas  e  programas para o melhor uso e ocupação do solo urbano,  integra os agentes e as ações de intervenção.
Este processo demanda um método e instrumentos de trabalho que lhe assegurem a correção e a eficácia necessárias.

6. O Plano Diretor Urbano.

O processo de planejamento urbano é uma ação prática, contínua de controle sobre o desenvolvimento de um espaço concreto, real. Esta ação prática tem como base o conhecimento sobre as tendências determinadas daquele espaço e o desejo de interferir no sentido de altera-lo, com a minimização ou o redirecionamento das tendências não desejadas.

Na prática atual, o planejamento urbano controla  timidamente parte do processo de produção e reprodução do quadro urbano, pelo menos enquanto seus principais instrumentos são os códigos de obras e as leis de zoneamento e de parcelamento do solo. Por meio deles, se realizam os controles das localizações dos edifícios, suas volumetrias e as densidades de ocupação do espaço.

Entretanto, tais instrumentos, assim como os demais ora possibilitados pelo Estatuto de Cidade, devem ser reconstruídos, para cada cidade, em função de objetivos estabelecidos para a solução de seus problemas.

O processo de planejamento urbano precisa de um momento inicial quando é produzido o primeiro conhecimento sistemático do fenômeno urbano local e são estabelecidas as propostas e programas de implementação das mudanças desejadas.

Este primeiro passo compreende a elaboração do Plano Diretor Urbano. Ele é o primeiro produto do processo de planejamento e, ao mesmo tempo ele desenha a continuidade daquele processo. Ele deve propor os objetivos  e as metas necessárias ao tratamento dos problemas  e de suas tendências, estabelecer os instrumentos de sua implementação, propondo os meios  para a continuidade do processo de planejamento.

A necessidade de dispor de um instrumento, que oriente as decisões da Prefeitura municipal sobre o processo de crescimento e transformação da cidade, está reconhecida  na constituição federal, formalizada no art. 187 que obriga o Plano Diretor aos municípios com mais de 20.000 habitantes..

A natureza e a dinâmica da transformação e do crescimento de cada cidade brasileira demanda qualidades  e características a este instrumento que garantam sua real eficácia, na prática cotidiana dos diferentes setores da administração pública municipal.
Nesse sentido, o Plano Diretor urbano deve ter algumas características básicas:
- ser uma peça do sistema administrativo local plenamente realista, enquanto sua viabilidade face aos recursos materiais, humanos, jurídico-legais, técnicos e administrativos disponíveis ou potencias da cidade;
- ser uma proposta inicial que abrange os problemas atuais da cidade e suas tendências previsíveis, a curto e médio prazos;
- ter sua avaliação/revisão permanente (processo de monitoramento, é melhor:defini-lo aqui) garantida por instrumentos complementares de avaliação e revisão, (só assim ele compreenderá, será um instrumento do sistema de planejamento local;
-  obter condições políticas favoráveis a sua real implementação prática. Nesse sentido, ele deverá ser elaborado pela equipe técnica da prefeitura local e o processo decisório local deverá acompanha-lo em todas as suas etapas de elaboração.

O processo de elaboração do plano Diretor e, posteriormente, os processos de sua avaliação e adaptação devem ser ágeis e rápidos (para não se tornarem obsoletos) o que demanda uma metodologia que atenda a esta exigência, sem prejuízo de sua eficácia e correção.

Mas, o que é um Plano Diretor? Quais são seus objetivos específicos? Como se apresenta um Plano Diretor e, principalmente, como ele se garante como instrumento eficaz da implantação e manutenção de uma política local de desenvolvimento.

Se tal instrumento não for claramente definido e explicitado, é possível cair no domínio de uma prática sem regras e sem limites, no predomínio do empirismo e da aleatoriedade.

Segundo H. Lopes Meirelles. o Plano Diretor “é a lei suprema e geral que estabelece as prioridades nas realizações do governo local, conduz e coordena o crescimento da cidade, disciplina e controla as atividades urbanas, em benefício do bem estar social”.

Ele deve ser capaz de servir como instrumento de controle das modificações contínuas do espaço urbano, ao mesmo tempo que enfrenta seus problemas e suas tendências não desejadas.

Sua elaboração e seu processo de implementação tem que estar garantidos, simultaneamente, por procedimentos metodológicos e técnicos adequados e por um processo político (decisório) real.
Assim, há duas preocupações a enfrentar:
- dizer o que deve conter um Plano Diretor ;
- ditar como se deve elaborar um Plano Diretor.

O Plano Diretor tem, na prática três vertentes simultâneas:
- os problemas da cidade, na figura das deficiências e dificuldades no uso e ocupação do espaço e/ou na prestação dos seus serviços;
- as características do espaço urbano atual e de suas tendências de expansão e transformação;
- os objetivos ou os resultados esperados pelos usuários para a superação de seus problemas.

Ele apresentará tanto propostas para regulamentar a renovação dos espaços e as construções de prédios, quanto indicará como acrescentar novos terrenos à cidade ou como utilizar os que permanecem vagos; orientará e regulamentará a produção e o uso dos serviços urbanos de saneamento e de transporte; prescreverá como controlar a renovação, os usos, a conservação e a preservação dos espaços já construídos, dos monumentos históricos e das reservas naturais de interesse ecológico.

O Plano Diretor se compõe, formalmente, de diretrizes para o desenvolvimento da estrutura espacial global da cidade; de sua norma urbanística; dos planos e programas setoriais referentes àquele desenvolvimento;  dos instrumentos de sua implementação

O Plano Diretor trata da cidade  como um todo integrado formado por um espaço habitado que tem problemas, defeitos e finalidades. 

Ele tem que ser realista, justo e eficiente, isto é, deve tratar os problemas concretos da cidade dentro das viabilidades reais; deve garantir que os recursos e as facilidades urbanas sejam distribuídos com justiça e segundo prioridades abertamente discutidas; deve prever a melhor qualidade de espaços, equipamentos e infraestruturas, com a maior economia.

O Plano Diretor tem que ser flexível. Ele encaminha, dirige uma evolução determinada, portanto terá que ser avaliado e revisado constantemente, em sua função de instrumento regulador e auxiliar da garantia da qualidade urbana local.

Ele deve estar integrado de forma dinâmica e plena na administração da cidade, principalmente por meio de orçamento municipal, onde os planos e projetos se materializam.
A natureza de instrumento de controle dada ao Plano Diretor leva a exigência de que:
- sua elaboração seja realizada na cidade para a qual se destina;
- os técnicos em planejamento urbano, da prefeitura municipal sejam, obrigatoriamente participantes dessa elaboração;
- os representantes da comunidade local tenham voz e voto nas etapas decisórias do processo de elaboração do plano, incluída a aprovação de sua versão final.

O Plano Diretor Urbano compreende uma proposta abrangente para a organização e o controle do desenvolvimento do espaço urbano e de seus serviços, atendendo a determinados objetivos das políticas urbana e ambiental de cada localidade. Ela atenderá as diretrizes da Constituição Federal, a legislação ambiental pertinente e a Lei Federal 10.257/2001 – Estatuto de Cidade.

Seus conteúdos serão elaborados, objetivando permitir e instrumentar o Poder Público Local para:
- induzir o processo de urbanização, de modo a obter estruturas urbanas operáveis a custos adequados;
- gerenciar a boa localização dos equipamentos coletivos;
- controlar o parcelamento do solo e sua ocupação por edificações;
- estabelecer as formas e os limites da expansão urbana;
- preservar áreas de valor cultural e artístico;
- definir as incompatibilidades de vizinhança;
- manter a relação ótima entre a densidade de ocupação, as infraestruturas e os serviços urbanos;
- adequar o sistema viário ao processo de desenvolvimento urbano e rural;
- evitar problemas ambientais decorrentes dos processos urbanos;
- estabelecer metas e programas de ação governamental.

A apresentação do ante-projeto do Plano Diretor Urbano, deverá estar acompanhada de uma Memória Técnica, descritiva de seu processo de elaboração, apresentando todos os sub-produtos gerados .

O conteúdo da Lei do Plano Diretor deverá se desenvolver nos seguintes capítulos principais:
-      Princípios e objetivos da política urbana do Município.
-      Diretrizes para o desenvolvimento ambiental e urbano.
-      Zoneamento e setorização dos espaços urbano e de expansão urbana.
-    Estrutura básica da distribuição dos espaços verdes e dos equipamentos de consumo coletivo.
-      Hierarquização e normatização do sistema viário.
-      Condicionantes urbanísticos das edificações.
-      Normas para o parcelamento do solo.
-   Meios e formas de implantação do processo de monitoramento da implementação do Plano Diretor.
-     Anexos, contendo as descrições das poligonais da área urbana e das respectivas zonas e setores; mapas do zoneamento e do sistema viário, desenhos e tabelas auxiliares.

7. Necessidade do método

O espaço urbano é algo em movimento: a cidade cresce, se adensa, se deteriora, por meio e a partir das diferentes formações visíveis que o espaço urbano vai assumindo e nas quais se manifestam os problemas urbanos.

Esse movimento é o próprio processo de produção e reprodução do quadro urbano. Portanto, se este quadro apresenta problemas, sua explicação dar-se-á por meio da análise de seu processo de produção.

Análises conduzidas fora dessa premissa, provavelmente levarão a conclusões de natureza puramente sócio-espacial ou sócio-econômica, alienando-se de seu objeto próprio que é sócio-ambiental.  Quando isso acontece, o espaço urbano, com categoria de análise e proposta, desaparece do processo de explicação,  dificultando  a dedução  sobre como agir  sobre  seus problemas.

É preciso, pois, adotar um método que garanta a especificidade dos problemas do espaço urbano e de seu tratamento, por meio do equacionamento de questões sócio-ambientais como questões de urbanismo, como objetos concretamente definidos sobre os quais as ações do planejamento irão interferir.

Qualquer ação prática se estabelece sempre sobre um determinado objeto concreto. Logicamente, para que esta ação seja realista e eficiente ela deverá estar embasada no conhecimento do objeto sobre o qual ele atuará.

O objeto concreto do planejamento urbano é o espaço físico da cidade. A forma do espaço urbano é o produto final e o ponto de partida dos procedimentos do planejamento urbano. O quadro urbano formal, em permanente (re)produção é o objeto concreto e o objeto teórico que permite e garante a integridade e a eficácia do processo de seu planejamento.

Os problemas urbanos se apresentam ao observador sob múltiplas manifestações aparentes e suas causas, também aparentes, não permitem inferir diretamente as formas adequadas de seu controle, portanto, o conhecimento exigido para intervir num determinado objeto, não é apenas o das manifestações evidenciadas em situações visíveis e momentâneas: as enchentes, a falta de água ou esgoto, no bairro, ou a deficiência de transporte coletivo, na cidade.

Por exemplo, para agir sobre um curso d´água qualquer, com o objetivo de corrigir problemas de enchentes, é preciso conhecer o regime deste rio, seu volume de água e as formas como se desenvolve seu comportamento em determinadas condições de chuvas, secas, etc.

O conhecimento das leis gerais do comportamento de cada objeto-problema e de suas formas de vigência, em variadas condições concretas, é o conhecimento que permite fazer previsões.

Assim, a correção do planejamento de uma intervenção depende da previsão do  comportamento do fenômeno.

Somente a partir dessa formulação é que se torna possível a definição dos objetivos de uma ação viável e eficaz, destinada a mudar o movimento de determinada evolução urbana, em suas tendências indesejáveis. Essa prática dirige a ação do planejador, desde a definição dos problemas concretos, até a formulação de propostas para seu tratamento. 

Observação:
Os dois próximos textos apresentam a seqüência dos procedimentos metodológicos propostos para a elaboração prática de Planos Diretores Urbanos, seguindo as referências  teóricas e metodológicas, aqui apresentadas.

FALAR COM JORGE FRANCISCONI